É a vida
SÃO GONÇALO DE AFETOS
Por Paulinho Freitas

Perguntam-me alguns, de onde vem minhas histórias. Elas não aparecem ao acaso, elas estão aí, acontecendo em tempo real a cada segundo. Cada pessoa que passa por nós na rua tem um universo de histórias acontecendo, dentro e fora delas.
Numa das vezes em que fui ao centro da cidade, ao passar ali perto da antiga sede da prefeitura, deparo com a seguinte cena: uma mulher está passando na frente de uma loja de roupas de mãos dadas com seu filho. A criança vê uma bermuda na vitrine e exclama: eu quero esta mãe! A mãe, vendo o preço do produto já avisa: nem pensar. Não ganho isso por dia, está fora de nossa realidade. O garoto fez um escândalo danado. Chorou, xingou, fez miséria e a mãe, nem te ligo, saiu arrastando o moleque até outra loja em promoção e comprou três pelo preço de uma. O garoto saiu com um bico enorme e choramingando prometia vingança baixinho: _ também, também, na hora do almoço vou comer tudo e pedir mais, também, também...
E lá foi a mãe falando ao telefone com alguém, reclamando dos preços e da vida, sem saber que naquele dia ia ter que pôr um pouquinho mais de água no já minguado feijão. Uma mistura de sentimentos tomou conta de mim. Apesar de achar engraçado, a vingança do garoto expôs a vida pobre da família, ter de almoçar a metade para jantar a outra metade é duro. O nó na garganta foi inevitável, ainda mais sabendo que outra família não tem nem a metade para uma refeição, que dirá outra metade para guardar.
Lá no Shopping outra mãe fazia das tripas coração para agradar seu rebento, que na praça de alimentação, munido de seu potente celular respondia às perguntas sem nem olhar para o rosto dela.
Ela: _ Filho, mamãe comprou aquela bermuda linda que você viu. Quer experimentar?
Ele sem tirar os olhos do celular: _ Mãe, eu só achei bonita. Não pedi para você comprar nada. Já tenho um armário cheio de roupa que nem usei ainda.
Ela o querendo agradar de qualquer jeito: _ O que vamos lanchar? Escolha!
Ele já levantando e sem a mínima paciência: Nem tô com fome, vamos embora, já tô de saco cheio de ficar aqui. Marquei com a galera pra mais tarde lanchar.
Ele saiu caminhando na frente e ela, como se fosse sua secretária, correndo atrás dele.
Quando ela tentava pegar na sua mão ele a rechaçava: _ Para mãe, que mico!
Ela sorri sem graça e continua a andar atrás dele.
Ele, parecendo patrão, desce na escada rolante em direção a garagem, onde vai sentar no banco de trás do carro, com os pés sujos pousados no banco e batendo papo via WhatsApp com a “galera. ”
Da minha varanda eu vejo o sol se deitar por trás de um prédio, meu vizinho que mora num sobrado atrás da minha casa, vê o mesmo por de sol, só que por trás do clube Tamoio. Já outros privilegiados veem o sol se pondo por trás da Ilha do Pontal. Outros ainda mais privilegiados, o veem deitar no mar lá na Praia das Pedrinhas, num visual digno das mais belas imagens do mundo. Cada um vê o por do sol da forma que o destino programou para si.
É a vida...
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Paulinho Freitas é sambista, compositor e escritor.