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É Carnaval - por Paulinho Freitas

SÃO GONÇALO DE AFETOS

Foto: Facebook @victorcouto
Foto: Facebook @victorcouto

Minha relação com carnaval vem de longe. Eu era bem guri e vendo meu pai arrumando sua fantasia ainda na madrugada de sábado para domingo para se juntar aos foliões do Bloco da Alvorada que abria oficialmente o carnaval de nosso bairro, o Paraíso, meus olhos brilhavam de emoção e desejo de ter um pierrô igualzinho ao dele, sem o escudo do Flamengo nas costas pois eu sou Vascaíno.


O pierrô do meu pai era preto, cheio de lantejoulas, uma grande tarlatana, uma máscara que a gente corria todas as vezes que ele punha no rosto. Quando ele saía ainda estava escuro e a gente voltava para cama para esperar o dia amanhecer e ir para o muro ver as pessoas passando para lá e para cá.


Eram cowboys, bruxas, índios, cabeções, pais joãos, odaliscas e mais um monte de fantasias, algumas originais e muito engraçadas como os que se travestem de mulher, que também é uma das minhas preferidas, pena que eu não levo jeito para fazer aquelas graças que esses caras fazem, são muito divertidos. Eu só olhava para os pierrôs e ficava imaginando como seria o meu.


Todo ano era a mesma história, passava o carnaval inteiro pedindo para minha mãe fazer um pierrô para mim e ela sempre repetida: “Ano que vem, quando as coisas melhorarem a gente faz.”


Vida de pobre a cada ano se renovam as dificuldades e meu pierrô nunca saiu. Teve alguns anos que ganhava um palhaço, sem a máscara, esta era feito de fronha com dois buracos para enxergar, mas era o que dava pra fazer e a gente ia ficando feliz e esperançoso de que no “ano que vem...”


O tempo foi passando e eu também me prometia que “ano que vem...” Só que as prioridades foram sendo outras, eram acampamentos no carnaval, depois me casei, vieram as crianças, mas elas não ouviram “ano que vem...” Meus filhos tiveram suas fantasias de pierrôs que me fizeram chorar escondido quando os via vestindo e quando saíam à rua as pessoas admiravam a beleza.


Lembro que um deles saiu certo carnaval fantasiado de bruxa e fez sucesso até no festival de bate-bolas lá na Cinelândia. Me realizei também quando o meu filho mais novo vestiu um bate-bolas daqueles de turma lá de Marechal Hermes, sonho de qualquer garoto que gosta de carnaval. Eu Fiquei tão feliz que parecia que era eu que estava naquela roupa.


Ainda hoje sou apaixonado por esta fantasia. Nas redes sociais existem vários grupos de bate-bolas e eu acompanho a maioria. Este ano vi as postagens de várias saídas de turmas de bate bolas, cada um mais lindo que o outro, como chorei, meu povo! Como chorei.

É muito legal recordar essas passagens da vida da gente e poder compartilhar com alegria. Não tivemos carnaval por mais este ano, mas os bate-bolas estão aí pelas ruas, com calor, suando, com dificuldade de locomoção porque a fantasia é pesada, mas eles estão aí pela praça da Trindade, praça do Rocha, Jardim Catarina, Porto da Pedra e em todos os cantos da periferia.

Eu queria dividir com vocês a felicidade que estou sentindo pelas pessoas que estão fantasiadas pelas ruas, mesmo sem carnaval, fantasiando suas vidas e o mundo. Isso mostra que mesmo com todas as adversidades nós continuamos com força, com fé e vontade de ver o mundo com os olhos de quem quer ter e fazer uma vida melhor para todos.


Rejuvenesci com estas lembranças e a vontade de vestir um bate-bola e sair por aí jogando confete e serpentina como chuva de boa sorte nas pessoas. Ainda sonho com o meu bate-bola. Esse ano não deu, mas “ano que vem...”

 

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Paulinho Freitas é sambista, compositor e escritor.






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