Ô Sorte! - por Paulinho Freitas
SÃO GONÇALO DE AFETOS

Xangô é andarilho e cata recicláveis por aí. O apelido é pelo eketé que usa bordado com imagens do orixá. Tem dias que ele dorme o tempo todo, tem dias que trabalha o tempo todo, tem dias que está alienado do mundo, falando frases desconexas com interlocutores, a nossa vista, inexistentes. Tem dias de profeta, onde prevê acontecimentos e professa fé inabalável num Deus só seu, justo e fiel.
Dei muita sorte. Estava atravessando a Praça Zé Garoto, chegando perto do chafariz avistei Xangô lá no coreto, se preparando para deitar falação. Fingi não ver para evitar que ele parasse e sentei na beira de um banco, quase de costas para ele, que pigarreou, abriu os braços e largou o doce:
_ Ubirajara pediu para que eu ouvisse o que Mead disse a respeito da civilização. Um osso quebrado, acarinhado, cuidado e curado é a prova viva de que tudo o que existe, nasce do coração.
Zé Ramalho acha que é ato falho dizer que só se dá o que se tem, pois às vezes quem nada tem é o que mais se dá e como árvore a farfalhar, vai distribuindo doces frutos com seu cantar. Para quem nada tem: consolar. Para quem tudo tem: alertar.
Muito ainda me interessa, na poesia de Bráulio Bessa, a diferença que há entre o que nada tem e em tudo habita para quem tudo tem e sem nada fica, em busca do que o outro tem sem demonstrar.
Xangô hoje deixa São Gonçalo, agradece a estadia, mas sua poesia precisa caminhar, se mostrar para nova gente e pôr mais elo na corrente, entre o amor e o amar, persistindo e existindo, no sonho e no estradar.
Terminou sua reflexão batendo o cajado no chão, descendo do coreto, altivo e nobre como a entidade que representa, o é.
Vou passar algum tempo ainda digerindo essas palavras e com o coração em festa por ter tido o privilégio de tê-las ouvido.
_Boa viagem Xangô! Até a volta!
Kaô Kabecilê!
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Paulinho Freitas é sambista, compositor e escritor.
