O afeto levado às ruas e o dilema à esquerda

Na semana seguinte às manifestações do dia 12 de abril, contra o governo da presidente Dilma Rousseff e seu partido (PT), os professores Pablo Ortellado (USP) e Esther Solano (Unifesp) divulgaram os resultados da pesquisa de opinião que coordenaram e que fora realizada na Avenida Paulista, naquele domingo em que grupos tingiram o Brasil de verde-amarelo, pela segunda vez em 2015 e fizeram do hino nacional o hit de um estranho flashback.
De maneira geral, os dados coletados não trazem grande novidade, uma vez que confirmam muito do que se especulava já sobre o perfil de quem participou dos protestos de 15 de março: a maior fração do público entrevistado tem renda mensal acima de 10 salários mínimos, quase 70% têm formação superior, mais de 77% se declararam de cor branca e cerca de 52% afirmaram aos entrevistadores ter muita confiança nas publicações da revista Veja. Logo, a pergunta que persiste é: o que mais se pode apreender sobre essa gente, quando parece que já lhes radiografamos o perfil socioeconômico e ideológico?
Ao sentenciar em 'O príncipe' que o soberano deve evitar as coisas que o façam odiado ou desprezado, Maquiavel está de fato demarcando o espaço da afetividade no cotidiano político. É o que me parece importante adicionar ao quadro de análises que se acumulam, até o momento, sobre as manifestações conservadoras que vêm ocorrendo no país. Quando os percentuais de entrevistados que concordam que o PT quer implantar um regime comunista no Brasil ou que cotas nas universidades geram mais racismo superam 60% e 70%, respectivamente, significa que o terreno da razão foi abandonado, cedendo lugar ao afeto, ou melhor, neste caso, ao seu oposto. Nenhuma dessas afirmações tem respaldo da realidade, mas o ódio encontrou eco em milhares de bocas.
O afeto é historicamente o principal instrumento utilizado pelas legendas de direita no relacionamento com o brasileiro, proporcionando sua sobrevivência década após década e alimentando um analfabetismo político devastador. O Partido dos Trabalhadores aceitou o desafio e foi exatamente esse o momento que marcou sua conversão à direita. A ‘Syriza’, na Grécia, e o ‘Podemos', na Espanha, vivem esta aventura, nesse exato momento. Ambos ganharam fôlego porque tiveram a sensibilidade de captar e se conectar a uma ampla trama de sensações e expectativas populares.
Comprometida com o cartesianismo implícito ao conceito da luta de classes, o dilema persegue a esquerda brasileira. Que fazer? Será que permaneceremos no débito de uma afetividade transformadora?