O que fica lá dentro. Pra sempre! Por Paulinho Freitas
- Jornal Daki
- 21 de abr. de 2021
- 3 min de leitura
SÃO GONÇALO DE AFETOS

Deolinda é uma portuguesa linda! Cabelos negros, olhos pequenos, um rosto com uma porção de sardas na medida certa. Magrinha e esguia, lábios finos que dá vontade de beijar se você ficar olhando muito. Essa portuguesa fazia Laurindo perder o sono.
Numa época em que era possível namorar em algum cantinho escuro da rua, época de pouca luminosidade artificial em que se podia ver cravejadas no céu bilhões de estrelas, descobrir constelações e ficar agarradinho deixando os corpos falarem por si jurando um amor eterno enquanto durasse. Naquele tempo um beijo bem dado valia por cem orgasmos, fazia perder o chão, o juízo, o rumo e tudo o mais que se tivesse direito. Ô tempo bom!!!!!
Laurindo não tinha o perfil de homem desejado pelas meninas da época, mas tinha um belo sorriso e fazia qualquer um rir na sua presença. Sua gentileza, educação e sua conversa agradavam às meninas, não a ponto de o quererem como namorado, mas era sempre agradável tê-lo por perto. Nas festas e bailes quase nunca dançava, era sempre preterido, mas não desanimava e nem demonstrava tristeza ou revolta. Chegou a pedir Deolinda em namoro uma vez depois da missa, mas ela já tinha se comprometido com outro e infelizmente nosso querido Laurindo foi dormir na varanda de casa olhando as estrelas e se deixando levar por sua fértil imaginação, sendo feliz nos braços de uma linda e apaixonada companhia. Nos dias que se seguiram a rotina foi a mesma.

Um dia Laurindo chegou do trabalho, tomou banho e antes que pudesse sentar à mesa para jantar ouviu seu nome ser chamado em seu portão. Era Deolinda, linda, num uniforme escolar azul e branco, o cabelo em rabo de cavalo, a franja colando na testa pelo suor e arfando pela corrida que dera da parada do ônibus até a casa de Laurindo. Adolescente tem esta mania. Só anda correndo. Laurindo não sabia nem o que dizer de tão feliz que ficou ao vê-la. Ficou parado admirando aquela belezura na sua frente, o coração acelerado e o corpo trêmulo.
Na verdade o namoro que ela pensava ter com o outro rapaz não vingou e ela passou para perguntar se a proposta dele ainda estava de pé. Ela nem sabia porque tinha feito aquilo, não tinha interesse nenhum nele mas não podia ficar com aquele vazio no peito, alguém tinha que preenche-lo e a resposta de Laurindo veio num longo e apaixonado beijo que a fez esquecer onde estava. Naquela noite cada estrela do céu tinha o formato do coração de Laurindo.
Na noite seguinte Laurindo foi busca-la na escola, mês de agosto, muito frio, um passeio pela orla da praia e uma parada para namorar a beira mar. Uma escuridão daquelas de não enxergar um palmo adiante do nariz, ninguém à volta, o hálito de Deolinda era um entorpecente poderosíssimo, ele se entregou ao vício e ela por sua vez deixou-se encantar pelos beijos e carícias de Laurindo. Quando tudo caminhava para um final de explosivas emoções ouviram o clicar das armas dos soldados do quartel que ficava ao lado da praia. Repreendidos levantaram-se rapidamente e notaram várias lanternas, soldados iluminavam inúmeros casais que ali também estavam pensando estarem sós. No caminho de volta, uma procissão de casais e muitas gargalhadas. Os dois não ficaram juntos por muito tempo, mas o beijo de um e o hálito do outro ficaram para sempre em suas memórias.

Paulinho Freitas é compositor, sambista e escritor.


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