O tempo e a paixão, por Paulinho Freitas
SÃO GONÇALO DE AFETOS

Nunca se deve dizer que se foi apaixonado por alguém. A paixão não morre, adormece como a princesa dos contos de fada esperando o beijo do príncipe determinado, incansável e invencível que ultrapassa todas as barreiras para encontrá-la, é uma pequena fagulha escondida esperando um sopro, uma leve brisa para se transformar numa enorme fogueira. Nada poderá detê-la, nada poderá fazer com que ela se acabe. Passe o tempo que for a vida que for a dimensão que for ela estará lá. Pode trazer uma série de complicações, mas ninguém neste mundo pode resistir a este sentimento que faz com que as pessoas se dispam de todo e qualquer preconceito e se igualem. Quando a paixão bate se perde o juízo, a compostura, o senso de ridículo, o rumo. Ficamos cegos e só depois de saciá-la voltamos à realidade. Às vezes nos arrependemos de tê-la alimentado, mais a luta contra ela é inglória.
Vinte anos se passaram sem terem notícia um do outro, aliás, nem se lembravam dos tempos em que namoravam às escondidas, inocentes e sonhadores como todo adolescente. Naquele dia, um show a céu aberto, milhares de pessoas cantavam e dançavam olhando em direção ao palco onde uma famosa banda se apresentava. No intervalo todos procurando o bar para beber alguma coisa e aliviar o calor, alguns empurrões, esbarrões não intencionais e de repente o encontro. Depois de tanto tempo ela continuava linda, longos cabelos negros, rosto de menina com sardas dando um charme especial à pele, ele também não sentiu muito a passagem do tempo, ainda forte, cabelos grisalhos que lhe emprestavam uma bela aparência. Quando os olhos se encontraram as lembranças vieram à tona imediatamente. As festinhas, o passeio de mãos dadas, as rodas de amigos, a praia, o cinema, o namoro escondido nas escadas do prédio, os sonhos, os planos para o futuro, e a entrega pura daqueles pequenos corações um para o outro, tudo passando pelas duas mentes em questão de segundos. Um abraço forte e emocionado, as palavras de saudade e o contar da vida no período em que não se viram. Ela estava casada, um filho adolescente, trabalhando como diretora de uma multinacional, realizada e feliz. Ele por sua vez também se realizara profissionalmente, casado, com filhos e igualmente tranquilo. Aí é que mora o perigo.

Quando parece que nada vai abalar as estruturas me aparece a tal paixão adormecida. Embora os dois não quisessem demonstrar o que o corpo sentia, não puderam evitar um longo e apaixonado beijo. Ela voltou no tempo e novamente quase sem sentidos nos braços dele, as pernas tremulas os olhos se fechando, o coração acelerado, deixando-se levitar como uma pluma ao vento. Por alguns momentos eram de novo duas crianças. De repente alguém a chama pelo nome, era seu marido, ela demorou uns instantes para entrar na realidade e ver que o beijo só aconteceu na imaginação de ambos, sem graça e envergonhada pelo pensamento que mesmo sem querer teve, sorriu amarelo e pediu para que o marido se aproximar-se, apresentou o “amigo de infância” que igualmente constrangido cumprimentou-o, conversaram um pouco, se despediram e voltaram para seus lugares.
Não trocaram nem telefone, nem endereço, talvez por temerem as tentações da carne, afinal eram pessoas responsáveis, adultas e felizes em seus relacionamentos, não poderiam pôr uma vida inteira fora por algumas horas de prazer carnal.
Demoraria um pouco para esquecerem-se daquele momento, a atração que mesmo depois de tantos anos tinha a fúria arrebatadora e irresponsável de outrora pesaria na consciência por terem fantasiado alguns encontros furtivos, mas isso logo passaria e retomariam suas vidas normalmente. Quanto à paixão, essa menina levada e sabida voltou a se esconder atrás de outros sentimentos e como o predador campana sua caça, estará sempre alerta e traiçoeira a espera de outra oportunidade. Dizem que ela só desaparece quando nasce o verdadeiro amor. Ou será que ela nasce quando aprendemos o sentido dele? Sei lá! “Orai e vigiai...”

Paulinho Freitas é compositor, sambista e escritor.

