Pegar uma folha caindo mexeu comigo - por Mário Lima Jr.

Peguei uma folha enquanto ela caía há alguns dias atrás. Eu estava caminhando de manhã na Estrada dos Menezes, ao lado de um terreno arborizado. Não estava ventando e a cor verde ainda predominava, a folha não parecia velha. Um sentido que me pertence, mas que não tenho certeza se já usei antes, percebeu um movimento incerto no ar, leve e sutil, como as folhas. Então estiquei a mão no momento perfeito e no ponto exato do Universo onde seria possível pegá-la. Peguei e larguei na hora, como se tivesse tocado num objeto sacro roubado. Larguei sacudindo a mão, do jeito que crianças fazem ao segurar algo que machuca.
Nos instantes em que percebia a folha caindo na altura da minha mão direita, eu já me transformava. Não senti raiva da Estrada dos Menezes ser uma das duas únicas ruas de São Gonçalo que contam com incentivo do poder público à caminhada (duas ruas em uma cidade de mais de um milhão de pessoas). Toda ansiedade e toda pressa me abandonaram porque não havia necessidade do tempo avançar. Os erros do passado não eram sequer considerados inúteis, eles eram apenas vistos como fatos de uma época que se foi. E quando a folha parou na palma da minha mão de uma vez por todas, esqueci completamente a vida que conhecia, de julgamentos e disputas constantes entre narrativas, e me juntei ao ciclo de paz e perfeição que acontece a nossa volta mesmo sem a participação humana.
Vi que na natureza existe algo além da coincidência e da oportunidade, inclusive dentro de seres que julgamos desprovidos de vontade própria. Existe o querer voluntário, que não significa escolha, mas concordância absoluta com uma força maior. O vento, o ar, aquela árvore e aquela folha me quiseram. Se cruzaram meu caminho é porque me conhecem e sabem do que eu precisava a partir de informações sobre mim coletadas por todas as árvores que já me viram.
Pegar folhas caindo é como ganhar na loteria: tem gente que ganha com certa frequência, mas nunca é contemplada com o prêmio principal. A folha que eu peguei, a primeira na minha vida e talvez a única, era meu grande prêmio. “E o depois?”, nós sempre nos perguntamos depois de uma experiência incomum. Querer mais do que a vida oferece, o “depois”, é invenção nossa. A folha que eu peguei responderia que há outras folhas caindo nesse momento com as explicações que precisamos e eu estou pegando todas elas. Mas não sozinho, como aconteceu na Estrada dos Menezes. Ela diz que nada acontece de maneira isolada, nem uma folha que cai.
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Mário Lima Jr. é escritor.

