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É um teatro? É uma igreja? Não, é a Câmara Municipal, por Mario Lima Jr.



A inauguração do primeiro teatro municipal de São Gonçalo está atrasada há meses. Enquanto a obra estimada em R$ 13,6 milhões não fica pronta, a população conta com espetáculos de drama e humor exibidos na Câmara Municipal de terça a quinta-feira, às 17h. A diversão é garantida quando os atores não faltam à apresentação na qual fingem saber o sentido do seu mandato. Faltas são frequentes: o elenco tem o hábito de resolver problemas pessoais no horário de trabalho.

As sessões plenárias começam com a leitura de um versículo bíblico, preferencialmente realizada por Salvador Soares, bispo da Igreja Universal do Reino de Deus. Sendo a Câmara um espaço político de representação popular, não uma igreja evangélica, o espectador se surpreende com o ato religioso. Nenhum adepto do Espiritismo nem da Umbanda, religião criada em São Gonçalo, é convidado a participar da encenação.

Vereador mais votado no último pleito, o papel do bispo Salvador se resume a ler a Bíblia e liderar orações dentro da casa legislativa, transformada em templo da Universal. Algum destaque em defesa dos interesses do povo? Nenhum. Apenas dos interesses de outro bispo, Marcelo Crivella.

O presidente da sessão solicita a leitura da ata da celebração anterior. Pouco empolgante, como uma cena vista centenas de vezes, tradicionalmente os vereadores não prestam atenção à leitura. Cochicham, fofocam e trocam figurinhas sobre como aumentar sua influência junto às comunidades carentes, inclusive de cidades como Maricá.

O tempo inteiro se mistura ao enredo o som de mensagens que chegam pelo Messenger e WhatsApp. Há coisas mais importantes para os parlamentares do que discutir a qualidade de vida do gonçalense, não fazem a gentileza de desligar o celular. O hino do Flamengo, toque do aparelho de algum vereador fanático, já foi registrado pela TV Câmara.

Projetos de lei, requerimentos de iluminação e retirada de lixo, moções de aplausos para puxa-sacos e processos em geral são listados pelo primeiro secretário na leitura do expediente.

Oradores previamente inscritos ganham a palavra e assumem a tribuna. Tecem elogios a outros vereadores, se esquivam raivosamente de acusações públicas e a cidade não é discutida. Eles são o centro viril das atenções (por qual razão as mulheres gonçalenses preferem votar nos candidatos homens?). No máximo refletem sobre jogar um caminhão de pó de pedra nos buracos de uma rua. Não sabem legislar para tirar São Gonçalo do abismo.

Ao fim da peça, sem mais oradores nem matérias sobre a mesa, os atores e bispos vão embora com R$ 15 mil mensais da venda dos ingressos e ofertas no bolso, confiantes de que divertiram o povo, embora sua vida sofrida tenha permanecido a mesma.

Amém.


Mário Lima Jr. é escritor.

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