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Devemos mais aos índios do que pensamos, por Mário Lima Jr.


Há cinco dias centenas de brasileiros ridicularizam as imagens do único sobrevivente da tribo Tanaru publicadas pela Fundação Nacional do Índio no YouTube. Sua tribo inteira foi assassinada por fazendeiros e ele vive isolado. Os comentários questionam a autenticidade do vídeo ou defendem que o espaço onde o índio habita é muito grande para ele. O último Tanaru teve a tribo dizimada e também deveria ser confinado em um espaço menor. Esses brasileiros não compreenderam que devemos nossa maternidade aos índios e deles herdamos hábitos que carregamos até hoje.


Havia muitos povos tribais, mas apenas uma raça no início da colonização do território pelos poucos homens portugueses que aqui chegaram. A partir do escasso sangue europeu e da fartura do ventre indígena nossa rica miscigenação nasceu.

Os indígenas tinham o costume de incorporar estranhos à sua comunidade, prática chamada de cunhadismo. O povoador europeu, náufrago ou degredado de qualquer nacionalidade, podia assumir moças índias como esposas. Alguns tinham dezenas. O moreno claro na pele dos brasileiros e a maior parte dos “brancos” do país, brancos apenas aos nossos olhos, são resultado dessa mistura.

O brasileiro, que não existia no início do século 16, se consolidou com o passar do tempo. O filho de pais indígenas, criado junto da tribo, continuou sendo índio, tão irredutível na sua identificação étnica quanto o cigano e o judeu. Como atualmente existem duas raças, tanto o brasileiro como o índio, é comum o engano de esquecer a origem brasileira e o crime de não valorizar os povos originários como merecem.

Dormir na rede, acordar, tomar banho, pentear os cabelos e comer mandioca no café da manhã. Com exceção da necessidade biológica de dormir, todos os outros hábitos foram transmitidos pelos índios. No passado os europeus tomavam no máximo dois banhos por ano, quando havia recomendação médica.

Para vergonha do Brasil, os índios sofrem uma realidade ainda mais cruel do que o restante da população. Eles testemunham e enfrentam ataques constantes do Estado, de agricultores e gananciosos em geral contra sua cultura e seu habitat. Situação que leva a doenças como depressão, esquizofrenia e à uma taxa de suicídio três vezes maior do que a média nacional, atingindo principalmente jovens de 10 a 19 anos.

A questão pode se tornar ainda mais desesperadora visto que está em ascensão no Brasil um movimento político de extrema direita que nega abertamente aos índios seu direito natural mais básico, a terra. Isso depois de sofrerem uma tentativa de extermínio que durou séculos e reduziu a população indígena de 5 milhões de indivíduos para menos de 1 milhão (Darcy Ribeiro, O povo brasileiro).

Geralmente avesso à formalidade, criativo e próximo da indisciplina, enquanto o povo brasileiro não reconhecer sua origem primária indígena e não perceber a influência dela sobre aspectos do seu comportamento, seremos um povo incompleto, preconceituoso e racista. Nas Américas já existe uma sociedade economicamente desenvolvida, mas doente, porque não respeita a diversidade. Temos a chance de ser um exemplo de humanidade no continente para o mundo, começando pelos comentários que publicamos na Internet.


Mário Lima Jr. é escritor.

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