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O bairro Calaboca e a estação gonçalense de trem - por Erick Bernardes


 Fotos: Cleiton Pieruccini
Fotos: Cleiton Pieruccini

Pense em um lugar com nome para lá de curioso. Pensou? Pois é, Calaboca é como o bairro foi inscrito na comarca de São Gonçalo. Dizem que o excêntrico topônimo originou-se por causa dos índios Kaiapós que chegaram do Paraná para ajudar na construção da ferrovia e por aqui ficaram.


Certa vez, ao pedir um almoço no balcão do Bacurau's Bar, conheci o geólogo e professor Eduardo Spínola. Quem diria, nascido nas proximidades da antiga linha férrea, além de ser cliente frequente das delícias do Bacurau, esse jovem cientista e docente prestou-se a dar uma aula para mim. Falou sobre a história da ferrovia fluminense, bem como a geografia da referida Estação de Trem Calaboca. Sim, incrível, a área de nomenclatura exótica, segundo ele, já foi intercurso obrigatório da linha Tramway do Rio de Janeiro. Mas, atualmente, nem a caserna que serviu outrora de paragem férrea existe mais. “Triste fim histórico”, desabafou o rapaz e continuou: “resta ainda o túnel, porém encontra-se totalmente abandonado”. Segredou-me ainda o simpático Eduardo que há quem afirme terem migrado, no passado, centenas de trabalhadores indígenas para a região. Com isso, essas famílias se instalaram em ocas feitas de folhas de sapê, integrando-se à comunidade gonçalense ainda em formação. Daí o apelido do lugar ter transmutado de Kaiapoca (casa de Kaiapó) para o topônimo Calaboca — seguindo algum tipo de adequação da língua com fins de registro oficial. Outros atribuem à raridade da nomenclatura ao fato de os escravos da fazenda próxima terem vindo da região homônima de Angola. Nesse caso, Calaboca teria sido (ou ainda é) um bairro de igual nome da capital africana Luanda. Não sei, confesso ignorância, nesses casos de nomeações territoriais fico confuso. Pedi com jeito ao jovem professor geólogo: “Me conta mais”, e ao que o rapaz entusiasmou-se e narrou sem parar: “Bem... digo isso porque conheço a região. Sei que o bairro constitui um tríplice limite entre Maricá, São Gonçalo e Niterói. Consiste praticamente de um enclave de São Gonçalo com esses dois municípios. O limite exato se faz pela antiga RJ-100 (Estrada Velha de Maricá), que hoje está recortada pela atual RJ-106, e era único acesso para Maricá via a área urbana de Niterói até a década de 50. Essa RJ-100 passava atrás da construção denominada O Queijão, até chegar no portão da extinta Mineração Inoã. Os antigos afirmam ser a antiga estação Virajaba na qual a locomotiva da antiga EFM deixava metade da composição, porque não conseguia atravessar o túnel pelo morro com a conexão completa. Ao chegar na Estação Calaboca, voltava vazia para buscar as composições que ficaram na Virajaba, indo e vindo, constantemente. Pode-se dizer que até meados do século passado, habitaram na região muitos animais típicos da mata atlântica, como cervos, iraras, tatus, dentre outros. É possível constatar os chifres do último servo abatido no local, expostos na parede do Bacurau’s Bar. Geologicamente, partindo da posição da construção O Queijão, em direção ao antigo ‘haras’ atribuído ao fazendeiro e político Altineu Côrtes, está de frente para o ponto culminante de São Gonçalo o Alto do Gaia. Nessa Serra, em propriedade da Mineração Spar (em atividade desde 1947), juram existir urânio bruto. Durante muitos anos a mineradora foi o sustento da população local com a extração do feldspato e da malacacheta, até perder mercado para empresas extratoras da Região Sul, pois conseguiam o feldspato já quase beneficiado, naturalmente”.




Assim, após toda essa aula emotiva, certifiquei de que a bela narração do Eduardo daria bem uma crônica. Mas eu estava cansado, verdade, desejoso de ir embora. Entretanto, a origem do nome Calaboca serviu de elo de ligação do geólogo comigo durante bons meses ainda, daí bem depois escrevi. Somos agora amigos de papo histórico, essas coisas de conversas de antigamente. Com relação ao bairro de nome excêntrico, ainda pairam dúvidas. Teria raízes indígenas ou mesmo origens africanas o registro do lugar? Não estou certo, garantias não tenho para dar. Confesso que nem pretendo certificar-me sobre a veracidade do caso. Certo é que da comida suculenta do Bacurau jamais esqueci. Nisso eu garanto e ponho fé. No almoço serviram quiabo com galinha e arroz, mas de sobremesa tive que engolir a conversa franca do geólogo amigo e falador.

***

Nota do Editor: A estação de Calaboca foi inaugurada em 1940 e desativada em 1964. Até 2009 o prédio estava abandonado dentro de um pasto em estado deplorável (fotos acima). Além dela havia um túnel distante mais ou menos 400 metros.

Porém, em reportagem de 21/4/1915 do jornal O Globo, "a direção do Parque Estadual da Serra da Tiririca (PEST) registrou queixa na delegacia da Polícia Federal de Niterói para identificar quem derrubou a antiga estação de Calaboca, em Itaipuaçu, e que fazia parte da extinta Estrada de Ferro Maricá, desativada em 1964. Assim que for identificado o responsável, o caso será denunciado ao Ministério Público, e o infrator estará sujeito ao pagamento de multas aplicadas pelo Instituto Estadual do Ambiente (Inea): a estação estava numa área que foi anexada ao parque em 2007. O diretor do PEST, Jhonatam Ferrarez, recebeu uma denúncia anônima sobre a demolição do prédio, construído em 1940. Ele foi ao local, na Estrada de Itaipuaçu, a pouco mais de 200 metros da RJ-106, e constatou o crime ambiental. A antiga estação ficava em meio a várias mangueiras. O local foi cercado, e uma porteira foi instalada há pouco tempo. Todos os vestígios da estação foram retirados do local. 'A estação virou pó. Cometeram um crime ambiental, porque a estação estava dentro do parque, e um atentado contra o patrimônio, devido à importância histórica da estação. O parque é uma área de proteção integral' — explicou Ferrarez. (Todos direitos reservados a Infoglobo Comunicação e Participações S.A.)

>>> Publicado originalmente em 11/11/2018.

 

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Erick Bernardes é escritor e professor mestre em Estudos Literários.


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