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Facínora, por Fábio Rodrigo


Milhares de pessoas em frente à Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj). E eu estava lá, junto a outros servidores do estado do Rio. Entre eles: profissionais da educação, da saúde, da segurança...

Lá dentro da Alerj, os deputados discutiam o pacote de austeridade do governo estadual. E que nós chamávamos de “pacotão de maldades”, pois tinha como objetivo sucatear cada vez mais os serviços públicos. Era verdadeiramente um crime contra a população mais pobre, que mais depende destes serviços. No lado de fora, restávamos entoar gritos de guerra contra o governo diante de centenas de policiais militares que realizavam um cordão de isolamento apesar da presença de grades que cercavam todo o entorno da Alerj. Isso mesmo: GRADES. O então governador Luiz Fernando Pezão autorizou a presença de grades em volta do prédio a fim de inibir os manifestantes.


Dezenas de faixas foram penduradas nas grades. Havia uma grande do Musp, outra do Sepe, da CSP Conlutas, do Sindsprev, enfim várias... Mas havia uma que me chamou a atenção. Esta não tinha identificação de sua autoria. Era uma faixa branca de aproximadamente um metro de altura e dois de comprimento. Nela só havia uma palavra: FACÍNORA. Aquele cenário de guerra nos dizia o significado da palavra: pessoa malvada, que age com perversidade e que comete crimes de maneira cruel. Não preciso nem dizer para quem a palavra era dirigida. Estava escrita com letras garrafais, em cor preta, e, ao que me parece, com spray que é usado para grafite. Mas quem havia escrito? Pensei que havia sido escrita por estudantes que também lá estavam para protestar contra as arbitrariedades do governo estadual. Vi que os estudantes, todos eles de escolas públicas, carregavam apenas cartazes no meio da multidão. Faziam questão de dizer qual colégio representavam.

No carro de som, parado exatamente em frente à Alerj, muitos manifestantes faziam discursos exaltados. Alguns dirigiam impropérios que inflamavam ainda mais a todos que acompanhavam. Até que, de repente, um grupo de manifestantes derrubou uma das grades que cercavam o prédio da Alerj. Tumulto generalizado. O batalhão de choque entrou em ação e disparou balas de efeito moral contra os manifestantes. Corre-corre. Vários manifestantes atingidos. Policiais militares usaram também spray de pimenta para dispersar a multidão. Os deputados decidiram encerrar a sessão e retornar as discussões em outra data. Aos poucos, o clima, que era tenso, passou a ficar um pouco mais brando.

Eu e outros servidores já nos dirigíamos para casa. Não havia mais motivo para permanecer ali. O nosso sentimento era de dever cumprido. Afinal, havíamos barrado a votação dos deputados. Caminhamos até a Praça XV e pegamos a barca até Niterói. Fiquei sabendo no dia seguinte que o clima em frente à Alerj era outro. Nem parecia aquela praça de guerra do dia anterior. Não havia qualquer sinal de truculência ou selvageria, embora as grades dessem um ar opressivo ao local. A que tinha sido derrubada já estava novamente no seu lugar. Desta vez, inúmeras faixas já haviam sido recolhidas das grades. Mas estava lá a faixa com a palavra FACÍNORA. Era a única que ainda permanecia afixada. Estava bem nítida para quem quisesse vê-la, porém invisível aos olhos dos passantes que transitavam calmamente pela rua Primeiro de Março.


Fábio Rodrigo Gomes da Costa é professor e mestre em Estudos Linguísticos.

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