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Folia de Reis: Verônica Inaciola e o patrimônio gonçalense


Um livro que trata daquilo que os nossos olhos não conseguem delimitar (a cultura imaterial) é de fato uma raridade, devido à complexidade de se estabelecer um objeto concreto de pesquisa. Com Verônica Inaciola Cruz o êxito é notório; um senso de responsabilidade crítica com relação ao lugar onde nasceu diz muito do seu objetivo — falo aqui sobre a segunda edição do seu livro Folia de Reis em São Gonçalo: irmandade e patrimônio (2018).

Visando a oferecer ao leitor um pouco da história e da tradição artística nesse nosso país de negligências e menosprezos culturais, Inaciola reúne parte da sua pesquisa científica em um livro sobre a Folia de Reis praticada em São Gonçalo. Publicado pelo selo da editora Autografia, o volume chega em sua segunda edição (acrescido de alguns detalhes) e fundamenta suas bases temáticas sobre a Folia de Reis existente no território gonçalense. Há tempos a autora participa ativamente de uma das mais belas manifestações artísticas e religiosas que o nosso município conseguiu conservar: a Folia de Reis ou Reisado, pautada na visita dos Reis Magos ao recém-nascido Menino Jesus. O equilíbrio da força religiosa e o caráter científico que sustenta a sua abordagem, por si só, já revela um ativismo cultural pleno de confiança àquela que é uma das mais relevantes pesquisadoras da Folia de Reis.


Verônica Inaciola Costa Farias da Cruz é Mestre em Ciência da Arte pela Universidade Federal Fluminense, Especialista em Marketing Cultural, Pedagoga e também professora da rede pública estadual e municipal. Como pesquisadora do Patrimônio Cultural Fluminense, ela já publicou uma variedade de artigos cuja temática, não raro, encontra-se relacionada ao município gonçalense. Além de ser autora do documentário Manifestações Folclóricas em São Gonçalo/RJ, a escritora é doutoranda no Programa de Ciências da Religião da UNICAP / Universidade Católica de Pernambuco, com a pesquisa “Milagres atribuídos às Bandeiras das Folias de Reis na contemporaneidade” — com recorte em cinco cidades da Região Metropolitana do Rio de Janeiro — e cujos milagres são mencionados em um dos capítulos do volume em questão.

Neste seu livro, Inaciola prova dar conta não só de uma substancial investigação acadêmica, mas, acima de tudo, ela consegue preencher com palavras “macias” as duras linhas analíticas necessárias ao trabalho da pesquisa, lançando mão da sensibilidade e da experiência que lhe são peculiares. Além da seção introdutória, o livro divide-se em oito capítulos dispostos como se fossem pequenos ensaios acrescidos de ilustrações lindíssimas, que contribuem para a plasticidade da obra — já que se trata de um estudo sobre arte e cultura. O volume conta ainda com inteligente prefácio do professor Rui Aniceto, no esforço comum, em defesa desse patrimônio imaterial; pois tanto Aniceto quanto Inaciola são gonçalenses apaixonados por sua cidade.

Utilizando-se de uma linguagem que prima pela fluidez narrativa, mesclada à descrição das cenas quase cinematográficas acerca das passagens dos grupos de foliões, Verônica Inaciola constrói um percurso discursivo descritivo, começando com as primeiras migrações de São Gonçalo até chegar aos nossos dias, quando o descaso governamental revela a fragilidade das instituições do poder público para com a cultura popular no Brasil. Há de se reconhecer que o apoio melhorou após a gestão de Gilberto Gil, no recém extinto Ministério da Cultura, pois a Secretaria de Cultura de SG, na atual gestão, vem tendo um olhar mais aproximado e até contribuído com os grupos de Folia, com transportes nas respectivas apresentações, além de colaborar financeiramente com as festas de Remate. Embora saibamos que ainda é necessária a regulamentação da lei que a tornou Patrimônio Cultural Imaterial. Essa regulamentação é que vai garantir a sua sustentabilidade, independente da vontade de quem está no poder.

Se nos primeiros capítulos, a ênfase das informações incide sobre a historiografia das festas de Reis, mais adiante, o foco nas canções e manifestações conjuntas às danças folclóricas se aproxima da oralidade presente na representação das falas dos mestres de Folia — e isso tem a ver com a menção que a própria autora faz ao pensamento de Walter Benjamin, quando a manifestação da Folia evidencia o “poder de testemunho histórico” (p. 33), que (para nós) celebra a autenticidade da nossa cultura municipal.

Quer saber mais sobre a cultura popular do nosso município? Conheça a tradição da Folia de Reis em São Gonçalo: irmandade e patrimônio, leia o livro de Verônica Inaciola da Cruz, e seja bem-vindo ao universo do Reisado fluminense.

Referências:

CRUZ, Verônica Inaciola Costa Farias da. Folia de Reis em São Gonçalo: irmandade e patrimônio. 2. ed. Rio de Janeiro: Autografia, 2018. 100 p.


Erick Bernardes é escritor e mestre em Estudos Literários.

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