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Os copos de guaravita tomaram a cidade, por Mário Lima Jr.



Não há nada mais abundante na cidade de São Gonçalo do que copos de plástico espalhados no chão, copos de guaraná industrializado. Isso antes me incomodava, hoje me surpreende. Pobre, desorganizado e sujo, o cenário urbano do município foi dominado pelo lixo de uma bebida barata, popular e cativante.

É como se, fora de casa, o gonçalense não quisesse nenhuma outra bebida além do doce guaraná artificial. As marcas jogadas nas ruas, nos canteiros, na sarjeta e nas lixeiras que transbordam são várias e algumas têm fábrica na cidade. Embora a Guaracrac seja bastante popular e ainda exista a Guaramor, o nome da marca Guaravita caiu no gosto do povo, por ser pioneira. Assim, geralmente as pessoas chamam qualquer marca de “guaravita”.

Na barraca do churrasquinho, do açaí, acompanhando um salgado na rua, as crianças amam, os adultos não ficam de fora. O guaravita virou uma instituição municipal, visível pelo rastro de sujeira. Se os copos fossem varridos, a cidade pareceria um deserto.

O guaravita está para o gonçalense assim como o chá para o inglês e o saquê para o japonês. Só que a cerimônia do gonçalense é menos sofisticada. Tudo feito com uma mão só, com uma velocidade incrível, ele pede o guaravita ao camelô (que tira a bebida do isopor cheio de gelo), paga, segura o copo, enfia o dedo na tampa de papel laminado, fura, vira o líquido na goela e joga o copo de plástico no chão, no cantinho do meio-fio. Há copos em frente à Prefeitura, à Câmara Municipal, na porta das igrejas, embaixo dos bancos das praças… Adoçando a pobre e violenta rotina de um milhão de pessoas.


Através desse hábito, a criançada descobriu aplicações inusitadas para o copo vazio. Os mais pobres usam o copo para amarrar linha de pipa e para guardar bolas de gude, brinquedo cada vez mais raro. Quem tem bicicleta, prende o copo no pneu da frente, embaixo do quadro, pra fazer um barulho interessante, um pouco dramático, que aumenta de acordo com as pedaladas.

Pelo menos brincar é melhor do que jogar o copo no chão. Problema que não considero mais como um simples sinal de falta de educação do povo. Responsável pelo caos urbano, vejo uma cidade grande, populosa, que não apresenta condições mínimas para lidar com o simples hábito popular de tomar um guaraná na rua. Ainda que a solução fosse a Guarda Municipal multar os porcalhões, como acontece com aqueles que sujam o Centro do Rio de Janeiro até com uma guimba de cigarro.

Através de um copo de refresco, largado tristemente no chão, a grande São Gonçalo subdesenvolvida e subutilizada busca matar a sede e um pouco de dignidade.


Mário Lima Jr. é escritor.

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