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Dissidências, por Fábio Rodrigo



Era um dia abafadiço. A associação de moradores do bairro Itibinhoca se preparava para escolha de seus representantes para o próximo biênio. Os moradores chegavam aos poucos e nem sabiam ao certo o motivo de estarem lá. Haviam sido convocados por meio de um folheto posto na caixa de correio das residências. Muitos moradores são aposentados. Ir a uma reunião sábado pela manhã não era nenhum incômodo para eles. “Moro há trinta anos no bairro. Nem sabia que tinha associação de moradores aqui”, disse sorrindo Dona Lucrécia, uma das mais antigas do bairro.

Dez minutos depois do horário marcado, o Sr. Antônio, um senhor de aproximadamente 60 anos, dono da loja de material de construção mais antiga do bairro, deu início à reunião. Se identificou como presidente da comissão organizadora e apresentou os demais componentes. Entre eles, Jorginho Paçoca, um jovem vereador, que foi logo tomando a palavra e comunicando a todos sobre a importância de uma associação forte no bairro. Aproveitou o momento para se defender de acusações que tem recebido a respeito de investimentos não autorizados feitos em seu nome. Nada como um eufemismo para suavizar os efeitos de uma propina. Depois de longos minutos discursando, passou a palavra à esposa do Sr. Antônio, que é a tesoureira da associação. Após sua breve exposição, quem deu prosseguimento à reunião foi o presidente de assuntos do bairro, o pastor Natanael de Andrade.


Muitos moradores já demonstravam impaciência com tantos discursos. Em seguida, o seu Romeu, dono do supermercado mais conhecido do bairro e segundo tesoureiro da associação, fez a leitura de cada um dos capítulos do estatuto que garantem a integridade e a necessidade de o colegiado escolher seus representantes. O vereador tomou a palavra novamente e reiterou a importância de todos estarem unidos por um Itibinhoca melhor.

O regimento interno foi lido por um dos integrantes da comissão, o senhor Plínio de Freitas, coronel reformado da Polícia Militar. Enquanto ele lia o regimento, a dona Creusa, uma senhora de 65 anos, começou a passar mal devido ao calor. A reunião precisou ser paralisada para o atendimento à senhora. Após o reinício da reunião, todos foram informados que a comissão de assuntos internos decidiu por unanimidade a formação de chapa única composta pelos próprios integrantes da comissão organizadora. “O regimento interno nos ampara”, disse o Sr. Antônio, candidato a presidente da associação.

Depois de longas horas de reunião, já era de conhecimento de todos que a chapa formada pelo Sr. Antônio e a sua esposa, por Jorginho Paçoca, pelo seu Romeu, pelo pastor Natanael de Andrade e pelo Sr. Plínio de Freitas daria continuidade à administração da associação de moradores. “Se eu soubesse que era pra isso, nem teria vindo”, disse furioso o seu Aristeu, morador do bairro. Após fazer a leitura da ata da reunião, já com as devidas assinaturas dos moradores, o vereador não conteve a sua emoção e esbravejou: “A nossa vitória é de todos”.


Um ano depois, circulou no bairro a notícia de que litígios com a justiça e dissidências entre os representantes da associação de moradores fizeram com que esta deixasse de existir. Outro grupo, ligado a um deputado da região, convocou todos os moradores para uma plenária, na qual serão discutidos os rumos para a refundação da associação de moradores do pobre bairro de Itibinhoca.


Fábio Rodrigo Gomes da Costa é professor e mestre em Estudos Linguísticos.

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