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Porto banhado de sangue, por Mário Lima Jr.



Como faziam há mais de 30 anos, amigos se divertiam em um bar do Porto Velho, em São Gonçalo, quando assassinos chegaram, abriram fogo, mataram quatro pessoas e feriram sete. Como se a vida humana não tivesse qualquer valor e não merecesse cuidado e respeito. Do chão do bar ao lar de cada gonçalense, o sangue das vítimas espalhou mais medo e tristeza em uma cidade onde chacinas se repetem e investigações são arquivadas sem apontar culpados.

O crime cruel, tão naturalmente praticado, lembra atiradores mirando contra alvos imóveis, latas ou alvos de papel. Ou caçadores atirando com prazer contra um grupo de pássaros desprevenidos. Mas os alvos destruídos eram pessoas dançando, conversando e sorrindo. A reação do povo diante de um massacre como esse, em que histórias de vida de homens e mulheres são desprezadas e atacadas com extrema violência, preocupa tanto quanto o rumo das investigações policiais, que geralmente deixam a desejar quando o crime acontece em São Gonçalo.

Segurança pública é obrigação do Estado e direito constitucional. No entanto, há tempos que o medo e a tristeza trazem com eles um desânimo completo e a certeza de que estamos desamparados, no meio da violência, e nada vai mudar tão cedo. Embora o Poder Executivo municipal tenha decretado luto oficial de três dias, reflexo do estado de choque popular, ainda são insuficientes a mobilização e o debate em torno da tragédia, com o intuito de compreender por que assassinatos de grupos de pessoas se repetem no território gonçalense, como as chacinas recentes em Marambaia e no Salgueiro.

Parte da população recebe poucas informações sobre os casos e, de forma preconceituosa, julga cada vítima como culpada de algum crime que justifique sua morte (sendo que não há pena de morte no Brasil). Dentre aproximadamente dez jornais vendidos nas bancas da cidade, apenas os jornais Daki e O São Gonçalo trouxeram na capa o massacre no Porto Velho nos três dias seguintes após a tragédia.


A opinião pública tem dois grandes lados, um deles parece entregue ao seu destino cruel e o outro confunde quem são as verdadeiras vítimas. Ameaçadas, poucas testemunhas têm coragem de denunciar e não podem cumprir sua responsabilidade com a segurança pública, também prevista constitucionalmente. Quando a capacidade de denúncia é reduzida, mais frágeis são as investigações.

Até pouco tempo a inocência nas relações entre os moradores, conversando na esquina ou em uma mesa de bar, era o aspecto mais evidente da vida em São Gonçalo. Recebíamos com espanto notícias das barbáries ocorridas em outros pontos do Estado. Hoje a carne gonçalense é a mais barata do Rio de Janeiro. Em nenhum outro lugar os bandidos, que dividiram a cidade em diversas partes usando barricadas de ferro e concreto, têm tanta ousadia e liberdade. A polícia não responde à altura e o povo gonçalense mal sabe por que é perseguido.


Mário Lima Jr. é escritor.

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