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Alcântara virou o bairro da esmola, por Mário Lima Jr.



Foto: Leonardo Ferraz/O São Gonçalo

É cada vez mais desesperador andar em Alcântara, talvez o bairro de maior movimentação comercial de São Gonçalo. Pedintes e vendedores ambulantes fazem fila para abordar as pessoas em alguns pontos, como em frente à lanchonete que fica na entrada do estacionamento do “prédio do relógio”. A informalidade, a pobreza e a precariedade só crescem na cidade e Alcântara, por atrair grande circulação de pessoas, é o local onde as deficiências municipais são mais evidentes.

Fui à lanchonete com minha esposa para tomar uma água. Uma jovem, de no máximo 18 anos, parou na nossa frente com um bebê de alguns meses dentro do carrinho e ofereceu um pirulito “para ajudar a trazer comida pra dentro de casa”. O pirulito nem tinha preço. Qualquer esmola servia. Compramos o pirulito e a jovem foi tentar conseguir uns trocados na mesa ao lado. Poucos segundos depois, um vendedor de balas nos abordou, no mesmo lugar. Disse que estava desesperado, tinha perdido o emprego. E minhas moedas haviam acabado. O homem foi embora. Depois dele imediatamente veio outro. Não deu tempo de conversar com minha esposa, sequer pude respirar. Sem conseguir comprar mais nada, não vi o que a terceira pessoa vendia, comecei a me sentir mal. Só queria escrever esse artigo.

São Gonçalo está definhando como o homem que circula em Alcântara pedindo esmola, com a barriga e a bolsa que coleta seus excrementos à mostra. O gonçalense passou a usar a sujeira que sai dos seus intestinos para sensibilizar às pessoas, como forma de ganhar a vida.

No passado, o principal enfermo encontrado em Alcântara era um cadeirante que tinha as pernas inchadas e machucadas e ficava ali, embaixo do viaduto, segurando uma caixa de sapatos e murmurando “uma esmola pelo amor de Deus”. Hoje o bairro está tomado por surdos, cegos, doentes terminais e camelôs. Todos em busca de esmola.

Famílias inteiras passam o dia nos sinais de trânsito vendendo água, guaravita, distribuindo panfletos. Correndo pra cima e pra baixo no sol, esperando que o motorista abra o vidro e compre pelo menos um pacote de amendoim.

Em frente às casas de doces, adolescentes seguram pedestres pela mão e pedem dinheiro pra comprar mercadoria pra vender. É assim que eles falam: “Tio, pode me dar um real pra eu comprar um saco de balas pra vender no sinal?”. Esse é o sonho e o futuro do jovem de São Gonçalo. O sonho é ter alguns trocados pra comprar um saco de balas. O futuro é passar o dia respirando o escapamento dos veículos e oferecendo o produto, pendurando saquinhos nos retrovisores e para-brisas. Quando o pedestre não quer ou não tem dinheiro pra dar, como última alternativa, eles pedem um salgado ou suco na lanchonete mais próxima. A verdade é que essas crianças, adolescentes e jovens estão passando fome.

São Gonçalo está morrendo diante de tanta indignidade, sem qualquer reação. Quem percorre o calçadão de Alcântara do início ao fim chega do outro lado carregando um quilo de papel na mão, entregue por gente oferecendo serviços de dentista ou de compra e venda de ouro. O camelô também é um pedinte, só que profissionalizado. Não paga impostos (só que paga propina à Guarda Municipal), não tem assistência social e não recebe por seu esforço aquilo que merece.

O problema, de forma alguma, está no mendigo ou no vendedor. O problema está no governo inútil, submisso, incapaz de contribuir minimamente para amenizar o caos econômico que a cidade afunda. Incapaz de colocar para funcionar um teatro pronto. Um governo que fecha a única biblioteca de um milhão de pessoas, um governo que não deveria existir.


Mário Lima Jr. é escritor.


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