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A cabeça do Cristo veio do Barro Vermelho, por Erick Bernardes


Cabeça montada em um teste no sítio de Heitor Levy. Foto divulgada na revista Sim São Gonçalo em republicação do Arquivo CEIPN/livro “Corcovado – A Conquista da Montanha de Deus”
Cabeça montada em um teste no sítio de Heitor Levy. Foto divulgada na revista Sim São Gonçalo em republicação do Arquivo CEIPN/livro “Corcovado – A Conquista da Montanha de Deus”

Os antigos ensinam aos netos como é a existência, narrando erros e acertos de tudo que vivenciaram. As lendas fazem o mesmo, mas de um modo bem mais abrangente, pois tecem teias invisíveis no decorrer da vida por meio da imaginação. Comigo não foi diferente, desde pequeno vovô jurou ter sido o Cristo Redentor confeccionado aqui em São Gonçalo. Duvidei, claro, impossível não duvidar, essas fabulações locais são no mínimo esquisitas.


— Conta de novo, vovô, por favor, só mais uma vez?


Confesso que a minha insistência se devia mais à forma de como a história se modificava ao longo de cada explicação, do que por causa da veracidade do fato. Jamais o famoso Cristo Redentor teria sido montado em solo papa-goiabas. Pensava. Claro que não, impossível. Na escola estudei versões diversas sobre o assunto. Isso mesmo. Desde moleque a narrativa sobre a estátua dantesca tornada cartão-postal e doada pelos franceses chegou aos meus ouvidos. Mas ninguém narrava até o fim, tão pouco ofereciam as leves nuances da ficção conforme o pai da minha mãe sabia fazer. Eu amava aquela linguagem fática e despretensiosa. Bastava-me o contato, a relação presencial, o abraço caloroso e os leves tapinhas na cabeça. É esse o real sabor da existência. A presença. Sim, narrativas ao vivo comovem e assumem dimensões imaginárias além do esperado. E novamente o pai da mamãe segredou:


— Então, meu querido neto, o caso da cabeça do Cristo foi assim. Eles moldaram aqui perto, onde é hoje o Colégio Santa Catarina. Você mesmo estudou lá no colégio. Rua Heitor Levy, mas no meu tempo era tudo um sítio só. A cabeça foi montada no chão e sofreu reparos, na esquina mesmo, na rua da padaria, encontro com a Rua Siqueira Campos. O muro da falecida dona Zuleide já existia. A malandra aproveitou as lascas provenientes das pedras cortadas das sobras da testa do Cristo no intuito de decorar a fachada da casa. Imagine. Pedaços das têmporas do Redentor protegendo a residência da saudosa Zuleide. Uma benção assim do nada ela ganhou. Fragmentos da relíquia. Até eu queria, invejo, assumo meu olho grande. Já pensou, pedaços de uma das sete maravilhas do mundo a decorarem o frontispício da casa?

Bem, desnecessário reconhecer que, com os recursos ultramodernos de imagem digital e das coincidências da vida, a lenda se transformou em fato real na minha consciência histórica. Ou seja, depois de adulto descobri ser aquele enredo verdade. Juro, caro leitor. Estavam lá as tais pedras polidas e lascadas cimentadas na frente da residência da dona Zuleide. E ainda está, mas ninguém sabe. Verdade. Contudo, da mesma maneira que a ficção nutre a fantasia dos seres e motiva certos inconscientes, a curiosidade reabastece a minha consciência. Sim, confesso, a narrativa do Cristo Redentor radicado em São Gonçalo fomenta vez ou outra ainda a minha impertinência. O que você acha que aconteceu? Exato, acertou, decidi ir em busca dos fatos. Resultado? Não era lenda. A história do vovô acerca da cabeça redentora construída pertinho de onde eu comprava jujubas e minichicletes se revelava dado concreto. Inacreditável. Indiscutível, a história lançada ali, literalmente, concreto.


Está claro que a cidade atravessa hoje uma fase histórica da maior importância para a busca da identidade. São muitos os professores, escritores e ativistas culturais, munícipes, enfim, a valorizarem a nossa tão negligenciada cidade no quesito tradição. Dinheiro não temos, isso de fato nunca nos chegou aos bolsos. Mas adquirimos força nessa jornada. Estamos mais investidos da consciência acerca do nosso passado. Quer saber mais, então? Assista ao vídeo produzido pelo nosso colunista Oswaldo Mendes em 7/11/2016. Um raríssimo depoimento do já falecido senhor Soqueira, um morador do Barro Vermelho, e que presenciou a montagem da cabeça do Cristo Redentor no município de SG:

Outras fontes:




Erick Bernardes é escritor e professor mestre em Estudos Literários.




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