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A inferioridade das autoridades, por Mário Lima Jr.


Dia 22 de setembro fez 129 anos que São Gonçalo retirou do calcanhar, pela última vez, um recorrente bicho-de-pé. Parasita comum na região rural, o bicho incomodou tanto com sua coceira que a cidade comemora a liberdade todo ano, com desfile e programação de eventos, ao invés de celebrar o dia da sua fundação, em 6 de abril de 1579. Assim preferem as autoridades, que desprezam décadas de estudos dos historiadores e por simples pirraça discordam deles.


No último desfile de comemoração, como de costume o que existe de mais nobre e valioso em São Gonçalo participou da festa das autoridades no chão, marchando. Muitas vezes sob sol forte, esse ano foi embaixo de chuva. Quem não contribui tanto para o desenvolvimento do município, mas possui um poder de decisão nas mãos que influencia bastante o rumo da vida dos gonçalenses, não desfilou, assistiu ao desfile cívico, escolar e militar de um palanque no alto, montado em frente a Prefeitura Municipal.

Embora o povo de São Gonçalo marchando seja aplaudido pelas autoridades, da mesma forma que um palhaço é aplaudido pelo público nas arquibancadas de um circo, quem recebe homenagens e cumprimentos são os engravatados protegidos da chuva, com água e garçom à disposição. Cada escola, pelotão militar ou organização social desfilando entre as ruas Coronel Moreira César e Feliciano Sodré para e apresenta sua melhor performance diante do palanque. Diante daqueles que oferecem o pão. Como o palhaço, que também cumprimenta o público e o reverencia.


Se a festa fosse para o povo, a sociedade continuaria suportando os sapatos apertados e carregando bandeiras pesadas no trajeto do desfile. Mas veríamos crianças e idosos dos bairros mais pobres, como Barracão e Sacramento, ocupando os lugares confortáveis no palanque, com o privilégio de ver o melhor da festa, ao invés de autoridades e seus puxa-sacos. Portadores de necessidades especiais teriam lugar reservado para apreciar os talentos municipais, como bandas de música e equipes de competição.


Ser palhaço requer sensibilidade e inteligência. Tanto no circo quanto em São Gonçalo, ocupar altas posições ou receber generosos salários não resulta em superioridade moral ou humana. Ex-prefeitos que desviaram milhões dos bolsos daqueles que marcham vestindo roupas quentes já ocuparam por anos seguidos os lugares de destaque no palanque e na vida política e social do município. Mandaram beijos e deram tchauzinho para a multidão atrás das grades de proteção, que sofre desde que sai de casa com o transporte público precário para ver a cerimônia.


O futuro e o passado de São Gonçalo, não mãos da sua população, não podem ser objeto de aposta. Já os sanguessugas no palanque são substituíveis, por isso favorecem uns aos outros. As autoridades frequentemente convidam para assistir, ao lado delas, políticos que pretendem ocupar seus cargos depois. Todos são fotografados pela imprensa. Assim dão notoriedade aos seus sucessores e prováveis algozes do povo.

Mário Lima Jr. é escritor.


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