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A vida é um jogo - por Paulinho Freitas

SÃO GONÇALO DE AFETOS


Foto: Shutterstock
Foto: Shutterstock

Debaixo de uma amendoeira plantada estrategicamente na calçada de uma padaria ali na Brasilândia, o potiguar Dedé bebia sua cerveja tranquilamente. Trabalhava todas as noites como Arraes num estaleiro em Niterói e nas folgas gostava de ficar ali, naquela sombra, relembrando coisas de sua terra natal, do cotidiano e vendo as pessoas irem e virem. Parecia um baiano curtindo aquela pasmaceira de beira de cais, esperando as jangadas de pescado.


As pessoas o cumprimentavam: _ Como vai seu Dedé? Que vida boa hein! Ele respondia: _ Vou como Deus quer, sou uma pessoa simples, como até galinha com arroz! Dava uma cuspida no chão, olhava para a pessoa de rabo de olho e fuzilava baixinho, quase num sussurro: _ Eu pegando chuva de proa de noite enquanto tu dormes tu não vês! Invejosa do cabrunco!


Um sobrinho de Dedé veio lá da terrinha tentar a sorte aqui no Rio de Janeiro e começou a trabalhar num escritório no centro da cidade. Numa tarde o patrão pediu para que o rapaz depositasse certa quantia na Caixa Econômica.


Já na porta do banco um senhor se aproxima dele e pede: _ Meu filho, por favor, você pode conferir este jogo para mim? Eu acho que ganhei, mas não tenho certeza, vim do interior e não sei ler direito. O rapaz prontamente se aproximou da parede onde constavam os resultados das loterias da caixa e conferiu o bilhete. Estava premiado.


Ao receber a notícia de que estava rico o homem entrou em desespero, agarrou o rapaz quase que chorando e falou: _ Deus do céu! Pelas cinco chagas de Jesus! Não quero esse dinheirão todo não! Ai meu Deus! Tenho medo desse negócio de sequestro, de roubo, Ai meu Deus! Se eu arranjasse um dinheirinho para comprar a passagem e voltar para minha terra eu trocava nesse bilhete.




Os olhos do rapaz brilharam e sem titubear deu o dinheiro que carregava para depositar, nas mãos do homem e pegou o bilhete. O homem pegou o dinheiro com as mãos trêmulas e com um semblante de pavor, saiu em disparada pela rua com destino a Rodoviária.


O rapaz pegou o elevador e foi até a seção onde estava escrito: Grandes Clientes. Lá chegando já se sentou à mesa do atendente com pose de doutor e ordenou esfregando as mãos: _ Meu amigo, quero abrir uma poupança, me dá só cinco mil que eu tenho que fazer um depósito, o resto deposita que depois penso no que fazer.


O atendente ficou olhando calmamente para o rapaz, que não parava de falar até perceber que o atendente não se movia e entregando o bilhete nas mãos do rapaz falou: _ Meu jovem, este bilhete está com a numeração premiada correta, porém o concurso é da semana passada, você não ganhou. Com certeza caiu num conto do vigário, muito comum aqui no centro da cidade.


O rapaz em desespero quis agredir o atendente, achando que o mesmo queria ficar com seu dinheiro, foi preciso os seguranças intervir, deram água com açúcar ao rapaz e foi um custo fazê-lo ficar mais calmo. Quando finalmente caiu em si e percebeu que não havia nada a fazer, voltou para o escritório. Depois, com o patrão, fez um boletim de ocorrência. Não há necessidade de dizer que foi demitido por justa causa.


Chegando a São Gonçalo foi ter com o tio Dedé, que debaixo da amendoeira bebia tranquilo jogando um carteado com os amigos. O rapaz chegou nervoso, gesticulando muito e falando alto contou todo o ocorrido, no final exclamou: _ Viu tio, que filho da puta! Dedé calmo e de cabeça baixa, a tudo ouviu sem dizer palavra, quando o rapaz terminou a falação, ele se levantou do banco, foi até a beira do rio e como de costume, antes de dar sua opinião sobre qualquer assunto, deu aquela sábia cusparada.


Virou-se com um semblante sério e o rosto vermelho feito um calango da pedra branca e vociferou: _ FILHO DA PUTA É VOCÊ! Se o pobre homem tivesse realmente ganho você tinha ficado com o dinheiro dele. Bem feito! Agora aprende! Quem tudo quer...


O rapaz saiu envergonhado e desolado. Dedé deu aquela arranhada na garganta, sorveu a cerveja que estava no copo num gole só, acendeu um cigarro e com aquele olhar sereno de sempre perguntou aos amigos que assustados olhavam para ele: _Quem joga?

 

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Paulinho Freitas é sambista, compositor e escritor.





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