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Abaixo das necessidades do povo, por Mário Lima Jr.


Já tem camelô instalado no ponto de ônibus novinho da RJ-104 que o prefeito José Luiz Nanci inaugurou no início desse mês, perto da Fazenda Colubandê. Inaugurou com classe, olhando distraído para o horizonte (como se tivesse surgido no local por acaso), arrumando a barriga de lado para ser fotografado. O camelô é um rapaz magro e negro que aparenta uns 25 anos de idade. Quando termina o dia de trabalho, ele pega o caixote de madeira que usa para exibir sua mercadoria e o larga em cima da cobertura de acrílico do ponto de ônibus. O ponto onde o prefeito posou para fotos. No dia seguinte, no início da manhã, o rapaz resgata o caixote, coloca no chão, apoia um isopor cheio de guaravita sobre a mesa improvisada e recomeça a luta. A principal urgência de São Gonçalo está em superar a necessidade da juventude usar um caixote sujo e podre para ganhar a vida. Incapaz de contribuir na construção de uma cidade melhor, a falta de qualidade deixa o prefeito abaixo dessa questão, mudo, com o olhar perdido, empinando a silhueta redonda contra o sol.


Há um milhão de assuntos mais importantes em São Gonçalo, e que exigem a atenção de Nanci, do que a inauguração de um ponto de ônibus. Do que a instalação de aparelhos de ginástica em uma praça, ou uma rua sendo varrida. O prefeito parece um boneco sem vida e vontade própria, posicionado em cenas que um marqueteiro de quinta categoria considera valiosas para postar no Facebook.


A construção do novo ponto sequer contribuiu para um trânsito mais ágil. O ponto final das linhas administradas pela Galo Branco, que ficava do outro lado da praça do Colubandê, foi transferido para o mesmo local do ponto que foi deslocado para a frente. O bairro continua parte de uma dezena de gargalos no trajeto do trabalhador até Niterói. A RJ-104 tem trechos de retenção do Laranjal à Alameda São Boaventura, antes mesmo das seis da manhã. Na Alameda, de engarrafamentos monstruosos, que o passageiro se ferra de vez.


O gonçalense precisa de barca, metrô e ciclovia, mas conquista um ponto de ônibus. Para o camelô do Colubandê, o ponto não passa de um depósito para o seu caixote. E ele não é o único. Assusta a quantidade de pessoas na cidade que transformaram pontos de ônibus em barracas de venda improvisadas com lonas de plástico azul, tábuas e cordas. Vendem principalmente bala, guaraná, amendoim e biscoito.


A comunicação oficial do governo Nanci prova que ele não está à altura do caminho a ser construído para salvar São Gonçalo da sujeira e da podridão. Pelo menos quinze moradores de rua tentam se aquecer ao relento nessa noite fria de inverno na praça da Trindade, abandonada, destruída, cheia de lixo e tomada pela escuridão. A cena se repete em qualquer praça, inclusive perto da Prefeitura. Nanci jamais cita a tragédia humana que São Gonçalo se tornou, com o apoio do governo dele. Parece não se importar. Por outro lado, se um ponto de ônibus for inaugurado ou se uma via de uma comunidade carente for concretada, a autoridade estará no local para fotografias e apertos de mão.

Mário Lima Jr. é escritor.



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