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Alcântara tem bêbado raiz - por Erick Bernardes


Foto: Erick Bernardes
Foto: Erick Bernardes

Bêbados são confiáveis?


A pergunta lançada assim de súbito pode oferecer conotações variadas acerca da credibilidade das informações contidas nesta crônica. Pois é, o fato de eu parar num desses bares de gente guerreira no centro de Alcântara, onde o café de dois reais funciona mais que qualquer bebida gourmet, permitiu-me conhecer o cidadão Geraldo — e que nada tem a ver com aquele oportunista recentemente transformado em rei da retórica pós-moderna.


Enquanto o forró melodramático do alto-falante puído ganhava o ambiente, as máquinas de caça-níquel operavam em uníssono, a torrente de cafeína injetava energia para continuar o cotidiano de trabalho intenso, e o pedinte sem máscara contra Covid lançou a pérola:


— Essa música é desabafo de corno. Vez ou outra sai alguém chorando daqui, como tem homem de coração mole em SG!


Senti o hálito de jacaré do mendigo falador. Verdade, por pouco não me embrulhou o estômago, cheiro grosso de aguardente. Tocava música de dor de cotovelo sim — e o cidadão em situação de rua a princípio intencionava conversar. Meio bêbado, meio sóbrio, demonstrava querer papear: “Frequento esse bar desde criança. Meu pai comia chouriço e tomava cachaça aqui. Tempo bom, do lado de cá de Alcântara só tinha birosca e armazém”.


Mas arrematou o começo de narrativa pedindo um real e pondo a mão sobre o meu ombro. Que raiva! Detesto quando pedem dinheiro sem dramaticidade. Incomoda que me encostem a mão de repente. Necessário sair dali, pois nada fazia o homem continuar a história de Alcântara, disfarçara, decerto insistiria em receber um real em troca das informações acerca dos tempos de outrora. Não dei. Claro que não, mas ofereci um tchau sincero, retirei-me do bar e entrei no ônibus.


Viu aí? Cuidado! Mendigos pós-modernos são assim, cheios de historinhas e espertezas, dá mole pra ver.


*Nota do autor: difícil foi fazer a foto dentro do bar, pois os frequentadores poderiam pensar que se trata de uma denúncia a jogos ilegais.

 

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Erick Bernardes é escritor e professor mestre em Estudos Literários.




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