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AMOR, SILENCIOSO AMOR! - por Paulinho Freitas

SÃO GONÇALO DE AFETOS

Reprodução internet
Reprodução internet

Nos idos anos oitenta, o carnaval no bairro Paraíso já estava à meia bomba. Existiam ainda os blocos de arrastão como o da Alvorada, que saía no domingo de carnaval pela madrugada, anunciando a chegada de Momo ao lugar para três dias de folia e avisando que a partir dali o “Unidos do Marimbondo”, o “Chegou quem Faltava”, “O Terríveis da Madama”, a Banda do Goró, “Azulão do Coqueiro”, “Irmãos Unidos” e, ou simples foliões batuqueiros passando entre um bloco e outro, iriam fazer as pessoas esquecerem suas mágoas e sambarem juntinhos até a quarta-feira de cinzas chegar.


Num desses alegres carnavais Maria José, uma linda paraense, recém-chegada à cidade estava maravilhada com aquela festa, seus olhos brilhavam e ela aprendia rápido todos os sambas, cantava, pulava e sorria muito. Num desses blocos, entre tantos rapazes Paulo Roberto se destacou aos olhos dela. Todos vestidos com a mesma fantasia, parecendo um só corpo e ela o diferenciou e os olhos dela nos olhos dele sim, fizeram-se um olhar só.


O bloco passou e Paulo Roberto voltou, ajoelhou-se e beijou-lhe as mãos. Nada mais precisou ser dito e os dois ficaram ali de mãos entrelaçadas até a irmã mais velha interromper avisando que era hora de irem embora, o pai delas já deveria estar prestes a vir buscá-las e não iria gostar de vê-las acompanhadas.


O pai era Mário Cardoso, todos o chamavam de Senhor Cardoso, era sargento da Marinha, homem de pouco riso, carrancudo e mal humorado. Paulo Roberto encheu o peito de coragem e encarou a fera, começou a namorar na varanda, sob vigilância cerrada de Mário, que fazia plantão no portão todas as vezes que Paulo Roberto vinha cortejar Maria José.


Não demorou muito para o casamento acontecer e de lá para cá, todos os domingos, Maria José faz questão de visitar a família e Paulo Roberto já chega com carnes e bebidas para um churrasco. Mário quase não fala, os dois sentam lado a lado, bebem juntos, mas trocam poucas palavras, Mário nunca deu chances para Paulo Roberto se tornar mais íntimo.


Até quando a neta nasceu Mário foi comedido nas comemorações. A neta é o tesouro de Mário e aos domingos ele acordava cedo e ia para o portão esperar a menina para cobrí-la de mimos e presentes. A menina cresceu, mas ele ainda faz isso todos os domingos. Certo dia a menina apareceu com o namorado, Mário quase enfarta, sua bebê nos braços de um qualquer!


O engraçado é que Mário e Paulo Roberto fizeram o pobre rapaz comparecer todos os domingos e trazer carne e bebida para acrescentar ao já tradicional churrasco familiar, o rapaz chegava suando em bicas e tinha que ir para a churrasqueira fazer o churrasco e servir aos dois que calados se entreolhavam e depois fuzilavam o rapaz com olhos ferozes. Este também casou rápido e a dupla mal humorada se tornou trio e continuou, religiosamente, todos os domingos fazendo o churrasco familiar e conversando muito pouco.


As respectivas esposas, felizes conversam na sala enquanto eles bebem no quintal e conversam sério sobre política, custo de vida e trabalho. Quando Mário teve um problema de saúde e precisou ser internado, os dois ficaram de prontidão na porta do hospital e eram os primeiros a subirem ao quarto para visitar o carrancudo amigo.


Esta semana Eliza, este é o nome da neta, anunciou gravidez, uma garrafa de espumante foi aberta e os três “machos” pela primeira vez choraram juntos e se abraçaram forte e silenciosamente. Mário sabe que talvez não tenha a chance de ver este membro da família crescer, embora não demonstre tem orgulho e amor pelos dois amigos que a filha e neta lhes deram.


São como filhos que ouvem e respeitam o Carrancudo Mário. A vontade dele em abraçá-los e falar do respeito e do amor que têm pelos dois é muita, mas a criação e a vida militar o impede de fazê-lo. Talvez quando partir deixe uma carta, um bilhete, uma mensagem. Talvez não dê tempo e nada diga. É uma pena. Um abraço apertado e um “eu te amo meu amigo” deveria ser uma questão de ordem unida, a vida seria melhor, as pessoas mais unidas, mais fraternas e felizes.


Que estes domingos de churrascos durem muitos anos, que venham as gargalhadas e os abraços deixem a burocracia e as preocupações da vida para serem resolvidas nas repartições e bancadas feitas para isso. Vivas à família! Vivas ao amor! Vivas à vida!


São Gonçalo de Afetos manda um abraço a todos vocês com um grito grandão de EU TE (OS) AMO MEUS AMIGOOOOOOOOS!!!!!

 

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Paulinho Freitas é sambista, compositor e escritor.



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