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As vítimas do gonçalense esperto, por Mário Lima Jr.


Foto: Reprodução Internet/Autor desconhecido
Foto: Reprodução Internet/Autor desconhecido

Depois de votar em Capitão Nelson pra prefeito de São Gonçalo no segundo turno das eleições municipais, às sete e meia da manhã de domingo o gonçalense esperto já pendurava a gaiola na fiação elétrica em frente à casa dele, no Raul Veiga. Muito safado tinha furado a fila dos idosos no primeiro turno, na opinião de Boquinha, então na segunda etapa da votação ele resolveu não dar mole. Foi um dos primeiros a chegar na seção eleitoral, do alto dos seus 38 anos de idade. Se outros, inclusive idosos saudáveis, aproveitavam o horário mais vazio, ele achava que tinha esse direito também.


O coleiro na gaiola, sem culpa nenhuma da destruição da natureza, é a primeira vítima diária de Boquinha. De camiseta regata, boné na cabeça e um copo descartável com café na mão, nas manhãs sem chuva Boquinha pendura o coleiro cantor do lado de fora e se exibe para os vizinhos. Na consciência, ainda que não tenha autorização do IBAMA, a certeza de que a jaula contribui para a preservação de espécies que nasceram pra voar. No coração, raiva pela existência do IBAMA, que serviria apenas para multar quem deseja desenvolver o Brasil, quando é punido quem destrói o meio ambiente e enriquece a si mesmo e seu pequeno grupo de sócios.


No dia da eleição os idosos gonçalenses não foram as únicas vítimas lesadas por Boquinha. Pelo voto, numa jogada só ele pretendia atingir e expulsar da cidade o Partido dos Trabalhadores e as barricadas do tráfico de drogas. Os defensores da ideologia de gênero também mereciam ser confrontados e agora, graças à eleição do capitão, nas escolas municipais as meninas não usariam o mesmo vaso sanitário que os meninos. Sobre a dificuldade de aprendizado dos alunos Boquinha não tinha opinião porque não recebeu nenhuma fake news sobre isso no grupo da família no WhatsApp.


Sônia sofre com o nível de inteligência do marido. Ao perder a paciência e gritar com ele por causa dos copos de plásticos jogados perto do bueiro, Boquinha responde que sem a sujeira no chão gari não teria emprego. Sabendo dos riscos de alagamento que acompanham o lixo e dos demais prejuízos da poluição, a mulher varre, junta e joga os copos na sacola de material reciclável recolhida a cada 15 dias pelo caminhão do Albergue da Misericórdia.


Boquinha não valoriza tanto assim a geração de empregos. Ele ajuda nas contas de casa porque recebe do INSS auxílio mensal por invalidez, conquistado através de um atestado médico falso. Sugar uma parte do que o governo mama desde que o Brasil foi descoberto é o auge da esperteza, segundo Boquinha. A mulher dele passa a maior parte do dia na frente da máquina de costura, ganhando uma merreca preparando vestidos para as grifes femininas dos bairros nobres do Rio de Janeiro e Niterói. Sônia paga a maior parte das despesas mas é chamada de “burra” pelo marido por trabalhar honestamente.


Quando o bar da esquina abre na sexta-feira à tarde, Boquinha chega e aguarda companhia. O assunto que mais o agrada é falar da vida dos amigos. Dos cornos, crentes, afeminados e daqueles que não aguentam mais do que dois copos de cerveja. Boquinha se orgulha de ter “personalidade forte” e zomba na cara deles, inclusive. Nenhum amigo jamais tentou mudar a opinião do morador do Raul Veiga. Boquinha, Ensino Fundamental incompleto, é esperto demais para ouvir.

Mário Lima Jr. é escritor.




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