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Axé na Salvatori - por Erick Bernardes


Fotos: Erick Bernardes
Fotos: Erick Bernardes

Confesso que há pelo menos uns quatro anos crescia em mim a vontade de escrever sobre isso, embora a curiosidade me fustigava o espírito desde que aprendi a andar. Quantas vezes mirei o barracão antigo com a estrela de Davi na porta ostentando a força ancestral e aspirei a saber sobre o assunto.


O endereço é a rua Américo Salvatori, número 199, trajeto ao lado da prefeitura, quase chegando ao bairro do Rocha. O nome do centro é Tenda Axé Egbé Oyá Jilá, situa-se no alto, na beira da rua mesmo. Quando menino, assistia aos carros estacionados, trânsito de gente vestida de branco, tambores e agogôs pontuando o ar com aquele compasso que remete aos nossos antepassados. Era Umbanda ou Candomblé? Nunca naquela época consegui saber.


Jamais imaginei o que viria por aí. Com o passar dos anos, as atividades religiosas no espaço se encerraram, pessoas em situação de rua tomaram conta do terreiro, e a construção foi depredada. Uma pena, história em vias de apagamento. Ruínas passaram a dominar as rochas sobre as quais o centro religioso se localizava: paredes esburacadas, telhados retirados, até a capela no sopé do morro moradores de rua conseguiram destruir.


No entanto, este ano não tive como não notar a movimentação no entorno. Gente subindo e descendo a ladeira onde as paredes depredadas se encontram. E marcou aquele sábado, a manhã em que decidi chamar ao portão:



_ Oh, de casa. Tudo bem? Sou escritor, como falo com o responsável pelo centro?

_ O Babalorixá chega já já, aguarda um pouco?


Bem, o rapaz que me atendeu se chama André Luiz, ocupa a função de Pai Pequeno no lugar. Aguardei o responsável chegar, ansioso por obter informações. Chegou.


_ Oi, sou Erick, prazer.


E assim a história se deu:


O Pai de Santo ou Babalorixá se chama Geovani de Yemanjá. Uma simpatia em pessoa. Afirmou ter o centro pertencido à sua mãe espiritual Sheila de Oyá, conforme: “A história daqui vem de mais de cem anos. Antes disso não sei lhe dizer, mas já tinha ritual”, finalizou. Enquanto dialogávamos, eu soube que a tenda já se chamou Sete Estrelas. Talvez por isso a referida estrela de Davi, fabricada em ferro fundido, tenha durante décadas ocupado a parte superior da porta, antes de ser furtada, claro.


Os filhos da senhora Sheila há vinte anos deixaram de administrar o lugar. Atualmente o sr. Geovani e amigos do espaço decidiram reconstruir a alvenaria e dar continuidade à religião ancestral. A estrutura possuía quarto de jogo de búzios, tenda de palha, pequena caverna batizada de Gruta de Xangô, capela em honra a alguma divindade, variados quartos de santos, cisterna e canil também. Uma figueira enorme ostenta seus ramos no topo do morro até onde o terreno atinge. Mais abaixo um enorme alicerce, sim, evidência onde outrora havia ampla cozinha. Foi uma chácara, com certeza constituída como uma chácara no passado.


Subi até o limite do morro para além do terreiro. Vislumbrei a paisagem melancólica por causa de tanta coisa arruinada, a curiosidade:


_ O que é aquele chão úmido ali?


_ Era uma fonte de água tida como mineral. Os antigos narravam ser ótima para banhos e pra beber também. Secou a tal mina, não sei se voltará a borbotar.


_ Ih, olha a hora, tenho que ir. Quer deixar algum recado aos leitores do jornal?


_ Sim, somaria muito se alguém ajudasse com qualquer coisa: “patrocínio”, divulgação, apadrinhamento, é muito gasto que temos pra reerguer tudo isso. Avisa que tem candomblé e umbanda. As atividades já começaram. Ainda pretendemos abrir aulas de capoeira, desenho pintura e línguas africanas. Transformaremos em um centro cultural. Tchau, abraço.


Obs. Importante agradecer às pessoas que ajudaram com as informações e lutam para reconstruir o espaço, são elas: Giovani de Yemanjá, André Luís, Laura de Oxossi, Adilsa Cambone, Suellen Cambone, Adalgisa Omolu, Michele de Iansã, Adael Ogã e Quedi Rosa.




 

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Erick Bernardes é escritor e professor mestre em Estudos Literários.


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