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Enéas, o garanhão. Por Paulinho Freitas

SÃO GONÇALO DE AFETOS

Reprodução Internet
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Ela já tinha avisado que não ia deixar barato a traição. Ele não levou fé. Numa sexta feira a enganou dizendo que iria trabalhar a noite inteira no estaleiro e foi pra casa de Marléia, uma branca mestiça (como pode?), olhos verdes e cabelos castanhos, quase ruivos, nem magra nem gorda, bunda pequena, porém larga, contava já seus quarenta e poucos anos, quase cinquenta, passava despercebida por qualquer um, qualquer um que não fosse Enéas, garanhão por natureza, homem já com uma idade avançada, mas faro aguçado para as fêmeas fogosas e gostosas que aos olhares dos mais jovens machos não diziam nada. Anita, mulher de Enéas por sua vez vigiava o marido como podia, sabia que ele, apesar da idade sabia farejar uma fêmea sadia e fogosa como Marléia.


Naquela sexta feira fatídica Anita pressentiu o perigo, lá pelas onze da noite saiu de casa decidida:


_ Vou castrar o maldito.


A noite escura de inverno com aquela chuvinha miúda ajudou a esconder aquela figura com capa e capuz negro que se esgueirava pelas marquises. Passou pela padaria de Celso, já fechada. Em frente à Faculdade Paraíso alguns alunos ainda discutiam a matéria da última aula. No bar de Sales, Marrom e Jorge Frampton bebiam a “saideira” e nem viram quando Anita passou. Ela pegou o ônibus em direção ao Centro de São Gonçalo, desceu na parada do Cemitério Central de São Gonçalo e entrou na Rua Abílio José de Matos, já perto da Quadra do GRESU Porto da Pedra tirou a capa e o capuz e jogou num canto, então surge a linda mulher que é, seu perfume, seu jeito de andar, o bailar da bunda daquela linda mulata fez logo Paulinho, compositor da antiga que estava no bar da esquina e já tinha bebido algumas gritar: “É um enredo inesquecível: QUILOMBO!


Anita até que gostou do elogio, mas sua preocupação era outra, entrou na quadra e rodou todos os segmentos e camarotes e nada de Enéas, encontrou Sirlei, Mário Foca, Zerinho, Bacuica, Ameriquinho, Beto do Cigarro e muitos outros da antiga que lá estavam, menos Enéas. Dentro de seu coração alguma coisa lhe dizia que ele a estava traindo, passou pela ala de baianas e contou uma a uma, todas estavam lá, de Sandra à Hilídia, Nicilda e Rosária, pediu a benção e perguntou por Enéas, ninguém viu. Foi pra ala de passistas, bateria, harmonia, departamento feminino e nada, ninguém viu o Enéas, a última ala que não queria ir, mas não tinha outro jeito era a ala de compositores, onde todos, do presidente Fernando Macaco até o último componente lá estavam cantando e sambando numa felicidade só. Passou por eles sem ser notada e resmungou com seus botões:


_Bando de cachaceiros!!!


Já pela madrugada chegou em casa e se deparou com Enéas dormindo. Na cozinha, no escorredor de louças um prato denunciava que ele tinha jantado. Seu coração quase parou de arrependimento. O homem tinha dito a verdade. Chegou faminto o coitado, jantou e dormiu. Certamente ao amanhecer cobraria sua ausência e ficaria de mau humor o final de semana inteiro e com razão. A pobre mulher foi deitar em prantos. Enéas que fingia dormir e com culpa no cartório pensou que a mulher tinha descoberto que ele estava na casa de Marléia, tremia feito uma vara verde. Sabia que ela tinha palavra e iria se vingar. Lutou o quanto pode, mas como tinha bebido um pouco demais foi vencido pelo sono.


De repente se viu acariciado pela mulher. No começo até que estava gostoso. Depois ela foi apertando e esticando as partes de seus “países baixos”, quando ele tentou se levantar já era tarde, um poderoso golpe de navalha tirou a parte do corpo que mais lhe dava orgulho, ela saiu correndo, ele correndo atrás, na porta da cozinha ela parou e ele tentou tomar-lhe das mãos o que lhe pertencia, tarde demais, “Delícia”, o cão do casal mastigava a “alegria da zona do mangue.” Naquela manhã o bairro do Paraíso acordou com aquele grito de medo e pavor: “NÃÃÃÃÃOOOOOOO!!!!!!” Enéas abriu os olhos e viu Anita de olhos ainda molhados acariciando sua face e o acalentando como uma mãe. Por dentro ele rezava: “Meu São Jorge Guerreiro, me livra dessa que eu nunca mais pulo a cerca.” Ela, puxando-o para si também orava: “Minha Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, não deixa tirarem meu menino de mim, tadinho, tá sonhando com trabalho.”


No fim das contas todos foram atendidos. Se eu fosse ele fazia o cachorro virar vegano. Eu hein!


Paulinho Freitas é compositor, sambista e escritor.



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