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Hábitos gonçalenses que sobreviverão ao coronavírus, por Mário Lima Jr.


Na quarta-feira, 11 de março, a Organização Mundial da Saúde (OMS) reconheceu que a rápida expansão do novo coronavírus pelo mundo se caracteriza como uma pandemia. No mesmo dia do anúncio da OMS, encontrei um vizinho na rua, apertamos as mãos, trocamos tapinhas nas costas (percebi um caroço do tamanho de uma bola de pingue-pongue por baixo da camisa dele) e começamos a conversar a uma distância de, no máximo, dois palmos. Erramos, eu e ele, talvez tentando poupar um ao outro de constrangimentos.

Tem gente que gosta de conversar bem perto e você precisa dar um passo para trás para conseguir se movimentar. É hora de agirmos de forma diferente de como estamos acostumados. Trocar qualquer contato físico ao cumprimentar por um aceno, respeitando um espaço de segurança, é uma das medidas básicas para evitar o contágio e a disseminação da doença. Quando o coronavírus enfraquecer no Brasil (e isso pode levar alguns meses), a gente retoma os antigos hábitos.

Ricardo, meu vizinho, vinha da padaria enquanto eu ia comprar pão. Sentidos opostos, portanto. Já no meio do caminho, ele deu meia-volta e foi comigo à padaria para continuarmos o papo. O pão demorou a sair. A padaria era pequena e mais pessoas foram chegando e se espremendo. No meio do estabelecimento, eu e Ricardo conversando, com o povo ao redor, respirando fundo, com raiva da demora do pão. Ninguém parecia preocupado com a troca de saliva em público e com o perigo de alguém ali estar contaminado.

A conversa com Ricardo foi de manhã. No início da tarde, deixei meu filho na escola e voltei caminhando pra casa. No Raul Veiga, um carro parou ao meu lado e o motorista começou a gritar. Meu coração deu um pulo e disparou, pensei que seria assaltado. Era um amigo, com o corpo esticado dentro do carro, por cima do banco do carona, estendendo a mão para eu apertar. Achei aquilo exagerado, ele tinha parado o carro no meio da rua, um acidente podia acontecer a qualquer momento. Fingi que não tinha visto a mão dele, dei o meu melhor sorriso e continuei andando, sem parar para cumprimentá-lo.


Para ser honesto, não foi por causa do coronavírus que evitei o aperto de mão, foi para não interromper o trânsito. Mas é o momento de o gonçalense suspender o hábito de parar o carro na rua para cumprimentar os amigos. Se não for em respeito às leis de trânsito, que seja para não ficar doente. Melhor agora, com a situação sob controle, do que por desespero, como nas cidades italianas, onde o número de mortos é de quase dois mil.


Seguindo ordens superiores, em São Gonçalo as instituições adaptaram seu comportamento à ameaça da Covid-19, doença respiratória causada pelo vírus, mais rápido do que as pessoas comuns. Grandes eventos religiosos foram suspensos, bem como as aulas presenciais, inclusive em projetos sociais independentes. Já o povo continua aguardando em grupo o pão sair do forno, os homens conversam nas esquinas e bebem nos bares, as crianças ainda brincam na rua e dividem o mesmo copo para beber água nesses dias de calor.

Mário Lima Jr. é escritor.



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