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Jonilson - por Paulinho Freitas

SÃO GONÇALO DE AFETOS

Foto: Reprodução Internet
Foto: Reprodução Internet

Conheci Jonilson ainda moleque de seus quatorze anos. Falava para os colegas da rua em que morava que era da “turma” lá do Buraco da Coruja, que dava tiro em polícia e invadia outras favelas, que atirava de fuzil, essas coisas de quem mora em comunidade e não ouve os conselhos da família aprende a fazer.


Jonilson só aparecia na rua depois das seis da tarde e antes das dez da noite desaparecia como que por encanto. Jonilson foi crescendo nesse ritmo e os garotos da rua tinham medo e respeito por ele, as garotas suspiravam ao ver o valentão passar e os vizinhos torciam o nariz e proibiam os filhos e filhas de andarem com ele.


Aos dezoito anos Jonilson apareceu com uma moto, velhinha, mas muito bem cuidada e era pra baixo e pra cima com aquela moto. Dizia ter pegado a moto de um viciado que não tinha dinheiro para pagar a droga e que iria trocá-la em breve por uma moto bem maior. Estava esperando o otário aparecer, a “situação” já estava encomendada.


O pai de Jonilson gargalhava quando as pessoas diziam o que o filho fazia que era elemento dos mais perigosos. Ele chegava a abaixar no chão de tanto que gargalhava. Ele não acreditava.



Jonilson, agora com 23 anos e a moto grandona que finalmente conseguiu pegar, resolveu dar um rolê no point onde a galera costumava beber e lá muitos motociclistas empinavam suas motos enquanto a galera aplaudia e gritava na calçada. Jonilson, encostado em sua bela moto era a pura imagem do respeito e do poder.


De repente, uma patamo da polícia militar apareceu, Jonilson montou em sua moto e saiu acelerando, como se estivesse fugindo, a moto empinou, Jonilson desequilibrou e caiu, mesmo protegido pelo capacete com a cabeça no meio fio e passou a noite sob um plástico preto, cercado de gente que comentava e aumentava o acontecido, até uma arma dizem que ele portava e que a mesma sumiu no acidente.


Na verdade Jonilson tinha asma e era estrábico, morria de medo de escuro. Passava os dias dentro de casa estudando, saia nos finais de tarde para ver os amigos de rua e inventava todas aquelas histórias. Quando sumia nos finais de semana é porque ia para casa de seus avós na zona sul do Rio de Janeiro, aproveitava a proximidade da praia para ganhar algum dinheiro, vendia água, picolés, bijouterias e tudo o mais que desse para juntar uns trocados que ia colocando na poupança.


A primeira moto foi comprada com esse dinheiro e a aquela moto dos seus sonhos foi comprada com o dinheiro da venda da moto velha e uma cotização que a família fez para inteirar o valor correspondente. Jonilson queria ser respeitado, queria ser cobiçado pelas garotas e inventou o personagem.


Naquele dia é que todos ficaram sabendo que a moto de Jonilson estava quitada, documentos em dia, que Jonilson fazia faculdade de direito e era um excelente aluno, um excelente filho e se todos soubessem disso ele não precisaria inventar o personagem. Seria respeitado e cobiçado como sempre sonhou.


Jonilson hoje é uma foto na parede da sala de uma casa lá no Porto Novo, onde às seis da tarde, todos os dias, a família se reúne para rezar por sua alma.


Quantos Jonilsons existem por aí? Quantos “otários” temos tirando onda de malandro e têm o mesmo destino de Jonilson, só porque querem ser respeitados e cobiçados?


Que Jonilson seja exemplo.


“Ser ou não ser: Eis a questão!”

 

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Paulinho Freitas é sambista, compositor e escritor.



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