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O aCASAlaMENTO - por Paulinho Freitas

SÃO GONÇALO DE AFETOS

Portinari: Vendedor de Passarinho - 1959 / Óleo sobre madeira
Portinari: Vendedor de Passarinho - 1959 / Óleo sobre madeira

São Gonçalo de Afetos vive de contar, viver, ver, participar, ouvir e também se deliciar com as histórias e causos que muita das vezes passam despercebidos por nós. Lendo o noticiário ou ouvindo (sem querer) (?) uma conversa no ônibus, no mercado ou em qualquer outro lugar, a inspiração chega rápida como um raio e se não for aproveitada ali, naquele mesmo momento, vai embora com a mesma rapidez.


Esta semana, vendo alguns vídeos, me veio a lembrança dois amigos de longa data e que a vida, naturalmente seguindo seu curso, vai afastando da gente.


Do Abil e Jiló Filho, passarinheiros, amigos de infância, não perdiam uma reunião de passarinheiros no Galpão, ali no Porto da Pedra. Cada um tinha um pássaro Trinca Ferro que criavam desde filhotes, estes, foram capturados no ninho lá na terra do Erick Bernardes, APA do Engenho Pequeno, neste mesmo dia conheceram a fúria de Jorginho Domingo, um ferrenho defensor da natureza que costumava passar o domingo por ali ajudando na conservação voluntária do parque.


Os três quase saíram no tapa e apesar de todos os argumentos possíveis que o Jorginho Domingo pudesse dar para que eles não levassem os filhotes foram embora com os filhotes.


Os bichinhos foram crescendo e abriram o canto lindamente aos ouvidos de seus cuidadores. Como não entendo de passarinho, não sei se eles estão cantando, chorando ou lamentando a prisão a eles imputada.


Um cantava: “Bom dia seu Chico!”


O outro: “Escuta o que digo!”



Eram tão apegados aos pássaros que no dia do casamento de Do Abil com Madalena, o mesmo entrou na igreja com a gaiola toda enfeitada e o passarinho fazendo às vezes de mãe do noivo.


O amigo Jiló Filho, no fundo da igreja, acompanhava o casamento com lágrima nos olhos porque já havia tido um affaire com Madalena e ela o abandonou para se entregar aos braços, abraços e amassos de Do Abil.


Não demorou muito tempo os dois começaram a se desentenderem por ciúmes, Jiló Filho assediava Marlene sistematicamente e o amigo, Do Abil, já desconfiava de que Madalena estava prestes a deixá-lo para viver uma paixão com o agora inimigo Jiló.


Com o passar do tempo os ânimos foram se exaltando e numa manhã de encontro de passarinheiros os dois saíram no tapa e na briga, um empurrando o outro, caíram por cima das gaiolas e os dois passarinhos fugiram. A confusão foi grande e os ferimentos também.


Após serem medicados no Pronto Socorro Central e assinado um boletim de ocorrência aberto para cada um por lesão corporal, cada um foi para seu lado. Chegando em casa, Do Abil não encontrou Madalena, pegou uma faca na cozinha e saiu desesperado para a casa de Jiló Filho, ela só podia estar lá cuidando do infeliz.


No caminho encontra com Jiló bebendo com Jorge Padeiro que cantava um novo samba de amor composto naquela hora. Do Abil teve que ser contido para não atacar Jiló que disse não saber do paradeiro de Madalena. Quem chegou com notícias foi Joel:


_ Aí seus trouxas, ficam brigando por Madalena, ela foi embora com Jorginho Domingo, não aguentava mais a briga de vocês e foi proteger a natureza lá no Amazonas.


E começou a cantar um samba do Nier Ribeiro:


“... A mulher que tanto amava, foi embora com um tal de Nonô...”


Dando gargalhadas Joel correu pela rua enquanto os dois amigos, mesmo mancando tentavam alcançá-lo para darem um couro no infeliz.


Esta semana estive no Engenho Pequeno e por acaso vi os dois amigos sentados lado a lado embaixo de uma mangueira, com os olhares no infinito.


Da mata um pássaro cantava: “Bom dia seu Chico!”.


Outro pássaro respondia: “Escuta o que digo!”


Do Abil, olhando paro o Céu e para Jiló Filho assobiava em resposta: “Que que fiz meu Deus?”

 

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Paulinho Freitas é sambista, compositor e escritor.





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