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O célebre anônimo, por Fábio Rodrigo


Frame de "Videodrome", 1983/Reprodução
Frame de "Videodrome", 1983/Reprodução

Ele acordou e foi ao banheiro tomar banho. Iria se preparar para mais um dia de trabalho. Pra sua grande surpresa, ao sair do banheiro, um apresentador de TV o esperava dentro do quarto e invadia sua privacidade. O célebre anônimo, assustado, tentava compreender a presença de câmeras espalhadas ao seu redor. Estava no meio de um programa de TV que vai ao ar todos os dias e mostra a vida íntima das pessoas. Mesmo cabreiro com tudo aquilo, não esmoreceu e cumpriu o protocolo estabelecido.


Ainda de roupão, o célebre anônimo se apresentava ao público do programa. O apresentador o provocava e queria saber detalhes de sua rotina e de sua vida em família. Em seguida, foi desafiado a contar toda a sua história profissional, de office boy até gerente de uma pequena empresa. O célebre anônimo se emocionou em vários momentos da narrativa. O apresentador não dava trégua ao célebre anônimo e o deixava em maus lençóis, fazendo perguntas muito pessoais, que agradam aos telespectadores do programa.


Terminada a sua breve exposição, o célebre anônimo se preparava para ir depressa ao trabalho. De um lado para outro do quarto, o célebre anônimo corria contra o tempo se arrumando. Ao entrar na cozinha para preparar seu café, esbarrou com uma mulher desconhecida, que também se assustou ao vê-lo. Procurou por sua esposa e não a encontrou. No quarto de seus filhos, havia um homem que também se arrumava para ir ao trabalho. Percebeu que aquela não era sua casa. Atônito, ele tentava entender o que acontecia. Não sabia onde estava nem o que estava fazendo com aquelas pessoas na casa. Câmeras instaladas no recinto filmavam cada passo dado por ele. Foi até a sala e viu-se na TV.

Deu-se conta de que estava sendo visto por todo o Brasil e que sua exposição aumentava ainda mais a audiência do programa de TV.


***

Dica do editor na quarentena: depois do texto do Fábio, assista Videodrome - A Síndrome do Vídeo (David Cronenberg, 1983). Veja um trecho abaixo. A estética de linguagem do filme dialoga bem com o nosso autor dos domingos.


Trailer, original em inglês:



Fábio Rodrigo Gomes da Costa é professor e mestre em Estudos Linguísticos.




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