top of page

O país da alegria se tornou triste, por Mário Lima Jr.


Reprodução Internet
Reprodução Internet

Não é mais a mesma a alma brasileira da alegria do Carnaval, da sociabilidade e da exuberância da natureza. São acumuladas no coração de cada morador do país três mil mortes por dia de um novo mal que poderia ser evitado. Elas preenchem nossos pensamentos e afezeres desde que acordamos, somando 331.433 vítimas até ontem. Há estudos nacionais e internacionais que preveem que o número de mortos ultrapassará meio milhão no início do segundo semestre, outro motivo de tristeza. As piores previsões realizadas nos últimos meses em relação à pandemia se concretizaram com precisão.


Por razões óbvias, esse ano não houve comemoração oficial de Carnaval, nossa maior festa. Seria uma loucura desumana celebrar alguma coisa enquanto um vírus letal se espalha na população, tendo contaminado 13 milhões de pessoas. Aliás, o governo do presidente Jair Bolsonaro, que se enquadra na categoria de louco desumano, comemorou há quatro dias a instituição de um regime que perseguiu, torturou e executou homens, mulheres e crianças durante 21 anos a partir de 1964. É um governo que estimula o ódio deixando o Brasil ainda mais triste nessa pandemia, pronto para uma espécie de vingança que pode explodir a qualquer momento contra um inimigo imaginário que por fim é o próprio povo.


Dois brasileiros só se cumprimentam nos últimos tempos com a mesma empolgação que sempre nos diferenciou do resto do mundo, com aperto de mão, abraço, rosto colado e beijo, se forem totalmente imprudentes ou se estiverem alcoolizados. Em um país onde colegas de trabalho criam mais intimidade do que parentes em outras culturas, a necessidade de distanciamento social levou a uma alta preocupante de transtornos mentais, conforme verificado pela Fundação Oswaldo Cruz em uma pesquisa de comportamento (R7). Se a velocidade com que os brasileiros param na rua pra ajudar alguém a trocar um pneu furado impressiona estrangeiros pela primeira vez em solo nacional, um ato de caridade semelhante desprevenido hoje pode levar à contaminação.


O Brasil se tornou depressivo não apenas pelo impacto da Covid-19 sobre a vida moderna. Os povos originários são afetados com ainda mais crueldade pela doença. Em 2020, três bebês Yanomami foram enterrados em local desconhecido após suspeita de Covid, deixando suas mães, internadas por causa do coronavírus, em desespero. Em janeiro deste ano, dez crianças das comunidades Waphuta, Kataroa e Taremou, com idades entre um e cinco anos, morreram sentindo febre e dificuldade para respirar. Sequer tiveram o direito de serem testadas para confirmação do diagnóstico, o Governo Federal só chegou ao local uma semana depois das primeiras mortes. No mês seguinte, Aruká Juma, último homem do povo Juma na Amazônia brasileira, morreu de Covid-19 em um hospital de Porto Velho. O futuro e o passado brasileiros, como a jornalista Eliane Brum relata, estão sendo destruídos.


Praticamos o extermínio de índios e negros desde o século 16, mas não estávamos preparados para uma tragédia a mais, provocada por um vírus que conta na matança com aglomerações promovidas por ninguém menos do que o Presidente da República. O péssimo destaque internacional que temos em relação à violência nunca transformou o Brasil em um lugar a ser evitado. Hoje o número de mortes diárias coloca o país em um topo isolado, onde ninguém quer estar.

Mário Lima Jr. é escritor.






POLÍTICA

KOTIDIANO

CULTURA

TENDÊNCIAS
& DEBATES

telegram cor.png
bottom of page