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O retorno da barricada, por Mário Lima Jr.


Na verdade ela nunca vai embora, nem quando removida por soldados do Exército ou da Polícia Militar, com o rosto coberto, manobrando uma retroescavadeira. O medo da facção criminosa que controla o lugar, a tensão constante, a submissão compulsória, nada disso some com as barras de ferro arrancadas do chão, com as manilhas de concreto, móveis e eletrodomésticos velhos que bloqueavam as ruas.


O caminho não é varrido pelo Poder Público, nem pela comunidade amedrontada. A sujeira da barricada continua no mesmo local, o barro, a terra, a areia, os restos de concreto e vergalhões. A marca permanece também no coração e na mente do gonçalense. Dos resquícios se alimentam o terror e a ameaça de que a qualquer momento a barricada pode voltar ainda maior, mais forte.

Um dia, quando o trabalhador menos espera, quando a criança começa a esquecer que existe uma força maligna que determina quando e como ela poderá entrar e sair da rua de casa para ir à escola ou à igreja, nesse dia em que falta pouco para lembrarmos da paz do passado, a barricada retorna. Quase sempre à noite. Retorna em corpo, porque seu espírito violento é constante no local uma vez ocupado.


O morador das regiões dominadas pelo tráfico de drogas sente algo especial. A antiga sensação de perda da própria liberdade e do chão onde pisa se justifica ao ver a barricada ali, de novo. Onde estavam o sofá rasgado e a geladeira enferrujada, encontramos centenas de quilos de entulho que parecer emergir do centro da Terra como num passe de mágica. Afinal, as principais bocas de fumo não se desfazem. As motocicletas em alta velocidade nunca param. As investidas de bandidos armados monitorando, em plena luz do dia, sua propriedade, quarteirões onde vivem inúmeras famílias, não cessa.

Quando ela volta, algumas certezas voltam junto. Ingênua, pobre e destruída, São Gonçalo não tinha proteção contra a migração de bandidos. Tinha favela em São Gonçalo com uma boca de fumo e um morto por ano até a primeira década do ano 2000. Hoje esses lugares estão infestados de armas, pontos de venda de drogas e bloqueios contra o trânsito do resto de força policial que ainda temos. Não há projeto de desenvolvimento social, em nenhuma esfera, em que possamos depositar esperanças.


Não é mais a alegria que manda aqui. A barricada é a prova menos sutil de que não há ilusão, São Gonçalo foi dominada. O que muda são os bandidos de cada região, em algumas eles têm apelido ou sobrenome famoso, usam veículos patrocinados pelo dinheiro público e vestem terno e gravata.

Mário Lima Jr. é escritor.


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