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O trânsito gonçalense me venceu, por Mário Lima Jr.


Dirigir é normalmente uma atividade sensível em qualquer cidade, que exige atenção, e pode até ser perigosa. Dirigir em São Gonçalo é algo ainda mais dramático. A lei não é cumprida e o trânsito se tornou agressivo, violento e selvagem demais. Falta paciência e educação a motoristas e pedestres. Depois de um ano dirigindo no município, perdi a paciência também. Deixei de seguir a maior parte das regras de boa convivência, desisti da luta, e o trânsito gonçalense me venceu.


Existem 311,4 mil veículos em São Gonçalo, de acordo com o Departamento Nacional de Trânsito. Número exorbitante para uma cidade sem infraestrutura ou inteligência viária urbana, onde as principais ruas continuam consideravelmente estreitas, desde a época em que eram transitadas por bondes. Onde os semáforos às vezes atrapalham, ao invés de estimular o fluxo.


A menos de um quilômetro da Prefeitura Municipal, região onde a fiscalização, a sinalização e a organização deveriam ser exemplares, há motoristas que avançam na contramão, piscando o farol e exigindo espaço. Isso pode confundir alguém não acostumado ao trânsito daqui e causar um acidente grave. O que fazer? O único caminho é desviar do motorista maluco à sua frente o quanto antes, jogando o carro para a direita, se houver espaço. Senão, bate.


Motorista aqui não espera as pessoas atravessarem a rua e não respeita sinal vermelho. Pedestre também não. Você pode alegar que na sua cidade também há mal educados. Mas em São Gonçalo, nem mancos e cadeirantes cumprem a sinalização para pedestres, inclusive em bairros de grande circulação de pessoas e veículos, como Alcântara. Sem qualquer amor à vida, eles invadem a pista. Eu, que não gosto de dirigir e tirei carteira porque sou machista (minha namorada resolveu aprender a dirigir e eu não queria viajar sempre no lado do carona), cansei de ser o único certinho na rua.


Parei de usar cinto de segurança. O trajeto que faço entre o Vila Três, Raul Veiga, Centro e Rocha está frequentemente engarrafado. Não se atinge altas velocidades ali. Além disso, é mais rápido e seguro entregar o carro para os bandidos se eu estiver sem cinto. O movimento para retirar o cinto de segurança pode ser confundido com o ato de sacar uma arma.


Não paro mais em diversos sinais vermelhos, como aquele após o Cemitério São Miguel, em frente à Enel, onde quase não há pedestres. Ninguém para. Um dia resolvi obedecer o semáforo e quase bateram na minha traseira.


Antes eu só estacionava em locais permitidos, de preferência estacionamentos privados. Deixei de ver vantagem nisso. O preço dos estacionamentos está caríssimo e em cada via há uma fila de carros parados. Hoje subo em qualquer calçada e deixo o carro em qualquer lugar, exceto na frente de portões de garagem. Essa safadeza ainda não faço.


Sabe aquele espaço de segurança que devemos manter em relação ao carro da frente? Sempre vinha um espertinho correndo, me fechava e enfiava o carro dele ali. E eu tomava um susto enorme. Seguro mesmo é ficar colado no carro da frente, sem espaço pra nenhum outro entrar.


Pequenos trajetos sozinho eu preferia fazer de bicicleta. Não há forma melhor de contribuir com o trânsito e o meio ambiente. Depois de ser espremido tantas vezes por ônibus e carros contra o meio-fio, abandonei o hábito. Tenho filho pra criar. Se o carro já estiver fora da garagem, uso até pra comprar pão. E deixo o trânsito gonçalense cada vez pior. E o centro urbano ainda mais poluído. A culpa não é minha, todo mundo faz isso.


***

Nota do editor: Em julho de 2018 a antropóloga Thalita Rocha escreveu, baseada em suas pesquisas etnográficas sobre a atuação da Guarda Municipal, o livro com o sugestivo nome de ‘Quem dirige em São Gonçalo, dirige em qualquer lugar’. Você pode ler a matéria Aqui.


Mário Lima Jr. é escritor.



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