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O tronco dos horrores ou invenção do bairro Jóquei? Por Erick Bernardes


Imagine o escritor trabalhar durante dezoito anos na empresa farmacêutica situada pertinho do bairro Jóquei, no município de SG, e ouvir de tudo um pouco sobre coisas de antigamente. Pois é, conhecidos de todas as classes, idades e históricos familiares, gente variada convivendo no mesmo parque industrial no bairro Arsenal. Surgiram versões bastantes no quesito narrativas, dentre elas, a história da localidade Tronco ou Loteamento Augusto César, localizado no Jóquei, onde outrora constituía fazenda enorme e que, posteriormente, tornou-se lugar de apostas de páreos e eventos hípicos muitíssimo frequentados.


Recordo de dona Teresa, funcionária do Laboratório B/Braun (onde trabalhei), não raramente, referindo-se assim à rua onde morava: "foi uma fazenda de café, maltratavam os negros, um tronco de amarrar gente e chicotear", lamentou a anciã.


Bem, caro leitor, não seria a primeira nem a derradeira narrativa desse tipo. Sabemos bem, os maus tratos aos nossos antepassados negros de todo Brasil constituíam realidade. E isso mudou? Mais um irmão negro assassinado em supermercado nessa semana, passou na televisão.


— Mas é segura essa informação, dona Teresa?


— Claro, meu filho. Papai disse que o avô dele era escravizado e sofreu muito nas mãos dos feitores. Informação que apagaram dos documentos, mas a oralidade permanece. Havia livro de registro de quem chegava do mercado escravo do Valongo e também de quem morria de tanto sofrer. A ancestralidade ainda é forte lá no Tronco. No entanto, já se vê a memória se esvaindo. Certamente a partir da próxima geração ninguém falará mais do assunto. Chamam de Tronco, mas o nome de correspondência é Loteamento Augusto César, no bairro Jóquei. Tem uma represa que agora secou, mas tomei muito banho lá, fica pertinho do mangue seco, onde hoje existe um condomínio não considerado dos melhores para se morar. O Procid vai de mal a pior, trata-se de uma escola de formação profissional e que ajudou muita gente do bairro, porém não é mais a mesma instituição.


Interessante, não é, amigo leitor? Pior é quando nos caem nas mãos outras narrativas capazes de desmentir grande parte de tudo isso. Seria algum tipo de contranarrativa desconstrutora do imaginário local? Não sei, juro não ser capaz de me posicionar nesse caso. Incógnita. Mas eu conto, pois está claro que nasci para narrar.


De acordo com o senhor Tião, pai da dona Zeli do salão de beleza, um dos moradores mais antigos de lá, a história de enredo sombrio é todinha inventada. O velho carrancudo jurou ser ficção a referida explicação, sim, verdade, eu mesmo ouvi e embasbaquei. O tronco motivador do apelido do lugar decorreria de um pé de eucalipto gigante tombado no meio da rua e por ali mesmo deixado anos sem conta até entrar em decomposição. Incrível o poder de me fazer acreditar nas coisas. Eucalipto nunca foi planta nativa. No mínimo se serviram do espaço para fins de produção agrícola de madeira estrangeira e não deu resultado. Claro que não.


Viu aí, como se criam histórias? Mas o certo é que outros moradores chegaram e reafirmaram a versão do tal tronco de chibatas. A mesma narrativa de escravidão e dor. Quem estará com a razão?


Bem, certo é que nesse ir e vir de vozes do passado, eu pego o meu banquinho e assisto sentado a toda essa riqueza imaterial e histórica.


Assista ao vídeo sobre o Jóquei, cujo link se encontra no final do texto:


Erick Bernardes é escritor e professor mestre em Estudos Literários.




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