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Reminiscências do Morro do Castro, por Erick Bernardes


Ano de 1964, a Piscina do Morro do Castro. Construção importante de lazer para a população. Foto do acervo de Leila Aguiar, moradora do bairro em questão e leitora do Jornal Daki. No detalhe, familiares da própria Leila.
Ano de 1964, a Piscina do Morro do Castro. Construção importante de lazer para a população. Foto do acervo de Leila Aguiar, moradora do bairro em questão e leitora do Jornal Daki. No detalhe, familiares da própria Leila.

Ela trabalhou durante anos dando aulas em uma Escola Municipal no Morro do Castro e, como boa educadora, tem mesmo é história pra contar. Obteve amizades, adquiriu experiências e, junto ao organizador da horta comunitária, travou outros contatos no bairro. Lembrou-se que via um jovem funcionário da bolsa de valores descer bem vestido a ladeira e se envergonhar por residir na comunidade situada no alto do morro. Puro preconceito, não é mesmo? Isso a fez refletir: "Será que o fato de morar em lugar de pouco 'status' importa tanto assim?" Tenho minhas críticas também, contudo, posso garantir, foi por causa de outra pessoa, o senhor Raimundo, cidadão cearense e estabelecido no Morro do Castro há mais de 5 décadas, que essa história chega agora até você — e vem através das palavras da professora Lilia.

— Ah, Erick, o que me chamou atenção foi a vitalidade e o orgulho do seu Raimundo. Dava gosto de ver. O coroa batia no peito dizendo que ali no Morro do Castro tinha vida boa. Nem se importava se alguém questionasse de qual lado do tal morro bimunicipal ele morava. Niterói ou São Gonçalo? Alguém perguntaria. E o velho sorrindo e orgulhoso em viver na comunidade diria ser irrelevante tal informação.


Pois é, após a narrativa da professora, fiquei me questionando se o cearense simpático não tinha mesmo razão. Decerto não importava a ele esse duplo registro geográfico entre municípios irmãos. São Gonçalo ou Niterói? Pra que isso! Pense bem, amigo leitor, lá no Nordeste acontecia uma das secas mais cruéis do século, desemprego nem se fala, 95% das pessoas do Sertão sem trabalho. Êxodo rural, a ditadura se enraizando também entre os coronéis de fazenda. Situação ruim, ruim é pouco, realidade péssima aos habitantes.



— Então, Lilia, o velho demonstrava emoção em contar a chegada dele à região?


— Exato, Raimundo explicou que, meio século atrás, e tão logo se apossou da área onde só havia matagal, encontrou uma fonte natural potável em que há hoje uma praça no lugar. A linda fonte do Morro do Castro se foi, secou e aterraram. Havia também uma enorme piscina que ficou famosa noutros tempos, e hoje nem sombra do balneário deixaram, só há uma escola e pracinha. Mas a memória do líquido abrandando a sede do coroa ficou. Admito ter percebido ele engolir o choro, saudades. Agora, lá em cima, tem uma outra praça cimentando um poço enorme. Há escola também no lugar. Não resta nascente alguma além da lembrança da fonte de outrora. Naquele tempo, Raimundo chegou de trem. Verdade, longos dias agachado e escondido, teve de aguentar. Fico aqui imaginando os músculos do Raimundo atrofiando de tanto se espremer no vagão de transportar minério de ferro. Mas chegou com raça, aportou esperançoso em São Gonçalo e levou uma vida de alegria.


Bem, tudo isso é interessante, entretanto, cabe aqui um esclarecimento: a saga do nosso herói cearense foi muito mais difícil do que parece. Pois, depois de desembarcar do vagão, ele não decidira ainda aonde ir. Soube de um casarão chamado de fazendinha e cuja construção precária ainda existe no cume do Morro. E foi lá que Raimundo Severo decidiu estabelecer e trabalhar. Assim, pra finalizar, o leitor curioso talvez queira saber o motivo do morro se chamar Castro. Seu Raimundo jura ter sido um sobrenome familiar de um dos primeiros fazendeiros do território, daí a explicação: os Castros dominavam a fatia do morro pertencente a São Gonçalo.

Seria óbvia a informação, se eu não carregasse o terrível gérmen da desconfiança. Mas, cá entre nós, se os livros de história não nos contam a tal versão, como não nutrir então algumas dúvidas? Seria mesmo sobrenome familiar português o tal registro territorial?


Pois é, não dou certezas, tampouco a professora Lilia informa. Maldita dúvida que me roubou a conclusão sobre o Morro do Castro. E vem mais história por aí!

Erick Bernardes é escritor e professor mestre em Estudos Literários.



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