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Samuel, o padeiro. Por Paulinho Freitas

SÃO GONÇALO DE AFETOS

Imagem: Reprodução Internet
Imagem: Reprodução Internet

Na minha infância tive um vizinho chamado Samuel. Ele tinha a pele muito branca, não pegava sol. Era padeiro e trabalhava por toda a madrugada e inicio da manhã. Dormia quase que o dia todo. Por este motivo os vizinhos diziam que Samuel virava lobisomem em noite de lua cheia para pôr medo nas crianças para que elas não fossem para rua brincar no período noturno.



Samuel quase não falava, se alimentava mal, bebia muito e por isso de quando em vez tinha vertigens, começava revirando os olhos e a pele ficava ainda mais branca realçando as artérias azuladas pelo pescoço e desmaiava. As crianças quando o viam na rua já corriam para casa com medo dele. Pobre Samuel, nem namorada conseguia arranjar. Às vezes passava horas olhando para a janela do sobrado onde morava Vilma, imaginava poemas de amor e declamava para sua amada, às vezes ajoelhado diante da parede de seu quarto como se estivesse na frente de um portal e lá dentro Vilma sorrisse para ele. Vertia lágrimas em súplica por uma oportunidade de fazê-la feliz. Agora Vilma gargalhava da insignificância de Samuel que aos prantos adormecia e só acordava à noite para mais uma jornada de trabalho.



Em noite de lua cheia os cachorros uivavam muito e na minha mente de criança medrosa imaginava pés enormes se arrastando pelo quintal, garras afiadas tentando arrancar as janelas para entrar e comer nossos corações. Me benzia e rezava todas as orações que vovó ensinava pra gente. Botava alho debaixo do travesseiro e fazia cruz com palitos de picolé para esfregar na cara dele caso ele conseguisse arrombar as janelas.



O tempo passou, a vida passou e tudo mudou, até eu me mudei e me esqueci das histórias de criança. Esqueci até semana passada quando fui visitar meu irmão e passei pela casa de Samuel. Ele ainda mora lá e já bem velhinho fica sentado no portão. Quando o vi fiquei muito emocionado e fui falar com ele, talvez pela idade e pelo tempo que fico sem ir para aqueles lados não se lembrou de mim. Só ficou me olhando com aqueles enormes olhos azuis.



De dentro da casa veio um homem, parecia muito com Samuel quando mais jovem, disse que era o filho caçula, o sétimo filho, seu nome é Ismael e como o pai é padeiro, muito branco também, com olhos e artérias azuis. Perguntou onde eu morava, dei meu endereço e ofereci a residência para uma visita quando quisesse, ele disse que conhece o lugar, pois de vez em quando passa por lá para ir à casa de sua namorada que mora próximo ao Cemitério dos Gringos ali no Largo da Folia. Na noite do dia 23 de julho passaria lá em casa para um café.



Nessa noite foi noite de lua cheia e por via das dúvidas tranquei bem as janelas, apaguei todas as luzes para fingir não estar em casa e rezei muito. Se lobisomem existe ou não existe eu não sei, mas os cachorros da vizinhança uivaram a noite toda e confesso a vocês: Eu não preguei os olhos. Fiquei agarrado em minha esposa a noite toda e ela reclamando:


_ Deixa de assanhamento homem! Vai dormir!


Sabe de nada inocente!!!!!

Paulinho Freitas é compositor, sambista e escritor.






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