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Se correr o amor te pega, se ficar ele vem te buscar, por Paulinho Freitas

SÃO GONÇALO DE AFETOS

Serginho/Foto: Paulinho Freitas
Serginho/Foto: Paulinho Freitas

Xavier, um cara baixinho, óculos fundo de garrafa, gordinho e careca. Não é o tipo que agrada a todas as mulheres e sua autoestima era baixíssima. Os amigos faziam galhofa com ele para passar o tempo, num tempo onde não havia muitas opções de lazer, era bola, pipa, bola de gude, televisão para os mais abastados e no máximo um cineminha aos domingos.


Xavier passou de ”boca virgem” na adolescência a “corpo virgem” depois de crescido. Trabalhava como faxineiro no prédio da Receita Federal no centro da cidade. Às sextas feiras era sagrado aquele chopinho regado a samba e uma esticada pelas casas de saliência da cidade, Xavier nunca acompanhava a turma, sempre inventava uma desculpa, uma hora tinha prova, outras vezes a mães estava doente ou ele mesmo não estava se sentindo bem, o fato é que Xavier tinha vergonha de si mesmo e medo de ser repelido pelas moças como na maioria das vezes acontecia nos bailes e nas brincadeiras de escola.


Ocorre que numa dessas confraternizações de final de ano a turma carregou Xavier com a desculpa de que seria só um brinde e um abraço pela despedida do ano que se findara para a grande farra, no início ele estava muito arisco, meio distante dos colegas e com medo de se exceder na bebida, mas a brincadeira foi ficando gostosa e divertida e quando nosso querido Xavier deu por si estava aos beijos com uma morenaça cor de jambo num cubículo lá na Vila Mimosa.


A morena fez dele gato e sapato, não o deixou respirar. Quando saiu a galera não perdeu tempo e caiu na pele de um novo Xavier, renascido para os prazeres da vida.


Aquela semana foi de insônia para Xavier que não tirava a morena da cabeça, abria um livro e só conseguia ler o nome de Thereza, na televisão o rosto dela aparecia nas novelas e nos comerciais, não conseguia comer direito e as noites, quando cochilava sonhava com aquela boca quente, com aquele corpo de serpente que se enroscava nele tirando-lhe o ar. Aquele natal e ano novo foram os piores de sua vida, chegou a ir perto da Vila Mimosa algumas vezes para tentar vê-la, mesmo que de longe. Mas cadê coragem de entrar naquela rua?

Quando o mês de janeiro findou e o salário caiu na conta ele não teve dúvidas, pegou um táxi e foi sem pensar em mais nada, em busca do amor de sua vida, ela estava sentada de pernas cruzadas e o micro vestido deixava suas belas coxas à mostra, nosso amigo suava e tremia, mas estava determinado, pediu um programa e subiram para o quarto, lá chegando ela já o entrelaçando para roubar-lhe o ar, pois o coração ela já havia ganhado, ele livrou-se dela e perguntou secamente:


_ Se eu montar uma casa pra você com tudo que tem direito, você casa comigo e larga essa vida? Vai ter que se endireitar, viver pra mim e eu viver pra você. Você aceita?


Thereza deu uma gargalhada de dobrar o corpo e respondeu:


_ Aqui vem um monte de malandro com essa conversa pra não pagar o programa, você com essa cara de otário vai querer me dar essa rasteira mané?


Xavier tirou a carteira do bolso, pagou o programa e voltou a carga:


_ Esta aí o pagamento, agora responde o que te perguntei.


Ela sentou, abaixou a cabeça, depois levantou, foi até o espelho, cruzou os braços com se estivesse abraçando a si própria, virou-se pra ele e respondeu:


_ Você não é criança, sabe que está levando uma puta para casa, posso deixar de fazer programa, posso nunca mais olhar para outro homem, te respeitar e respeitar nossa casa; posso tratar você como um rei, mas para a sociedade eu nunca vou deixar de ser puta, sempre vamos encontrar alguém que vai rir de canto de boca e vai tentar te envergonhar, sua família, seus amigos, todo mundo vai rir de você e vai me ridicularizar. Tem esse peito todo malandro? Aguenta o tranco? Se você der sua palavra de homem que vai se comportar como homem e não vai correr da raia eu pago pra ver. Pode botar a casa que eu vou contigo.


Dois meses depois, numa manhã de sábado a Vila Mimosa estava em festa, teve bolo, champanhe, choradeira, desejos de felicidade e um táxi saindo com latas dependuradas no para choque traseiro, dentro do táxi um improvável final feliz.


Essa história me foi contada pelo próprio Xavier lá no bar do Serginho ali no bairro do Zé Garoto onde aos sábados os amigos se reúnem pra tomar uma gelada. Xavier estava com um buquê de flores e um presente nas mãos. Me disse que hoje está fazendo 40 anos que entrou com Thereza naquele táxi e seu neto está completando 10 anos. Pagou uma rodada de cerveja e saiu brejeiro cantarolando um samba de terreiro que acabou de fazer em parceria com o grande compositor Jorge Padeiro:


Nêga troca sua maquiagem, hoje eu não vou pra cidade trabalhar...”


Serginho que vive de sacanear todo mundo ouviu a história toda olhando para o chão, quando Xavier saiu ele foi até a calçada e olhou pro céu, a chuva caia forte e ele voltou enxugando o rosto e rindo de si próprio:


_Eu sou muito burro! Uma chuva forte dessa e eu ainda olho pro céu pra ver se está chovendo!


Com uma história dessas até quem não foi na chuva teve que enxugar o rosto. Acho que o bar está cheio de goteira.


Obs.: O cara da foto é o Serginho, ouvinte de muitas histórias de bar, mas é um baú fechado. Não conta nada pra ninguém!


Paulinho Freitas é cantor, compositor e sambista.




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