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Soltar balão ainda é diversão em São Gonçalo, por Mário Lima Jr.


Reprodução
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Fabricar, vender, transportar ou soltar balões é crime, de acordo com a Lei de Crimes Ambientais nº 9.605/98. No frio da noite passada, no alto de um morro gonçalense onde o Estado não enxerga e não cuida, soltar um balão criminoso alegrou e esquentou pelo menos 15 crianças e adolescentes, além dos adultos que passavam.


Por volta de 8 horas, a molecada tava batendo papo na rua, parte vestindo casaco, a outra parte, pálida, mas sem reclamar do frio, e começou a surgir a mesma frase, algo hipnotizante partindo do primeiro garoto, depois de todos: “Aí, vai soltar balão, vai soltar balão agora, vai soltar balão”. O “agora” não chegava nunca. – Quem vai soltar balão? – o mais curioso perguntou. – Maicon vai soltar balão – respondeu um magrinho que não parava no lugar, de tão animado.



Demorou mais de uma hora, em nenhum momento o grupo deixou de acreditar e repetir que alguém soltaria um balão. De repente o portão do beco onde Maicon André mora abriu. Ele saiu carregando várias lanternas de papel rosa e as entregou para o primeiro moleque que viu na frente. Então voltou pra pegar alguns tijolos e o balão colorido, que tinha dois metros e meio de altura.


Habilidoso como um gerente de multinacional, Maicon organizou os tijolos no chão e pediu para dois meninos esticarem o letreiro sobre eles e acenderem as velas. Ao mesmo tempo convocava um terceiro garoto para subir na laje da garagem do vizinho para segurar o balão pelo alto enquanto ele acendia a bucha. A ladainha “Vai soltar balão” foi substituída por risadas, gritos de excitação e sugestões sobre a melhor forma de fazer o balão pegar pressão. Maicon não respondia a ninguém, ele olhava fixamente para o fogo.


Com a guia amarrada, veio o momento mais tenso. O balão subia devagar, fraco e de lado, de encontro com a fiação elétrica, ventava um pouco. Baloeiros adultos, mais experientes, mandaram Maicon recolher o balão, dizendo que não tinha força suficiente pra subir. Aquilo foi um balde de água fria na noite de inverno, o silêncio tomou o lugar da alegria barulhenta das crianças que corriam atrás de Maicon rodando pra lá e pra cá, puxando o balão como se fosse uma pipa. Mas o único lugar onde ele mostrava intenção de subir era embaixo dos fios, onde podia rasgar e pegar fogo.



Confiando no balão e em si mesmo, em um movimento que pareceu ser de sorte para quem assistia, Maicon subiu em um monte de areia, deu uma puxada forte na guia, como se fosse a última da noite, e o balão pegou impulso pra cima em uma área sem obstáculos. O pessoal gritou “Aêêêêêê…” e todos os olhos se voltaram para o alto. Um senhor tinha trazido o neto no colo pra ver o balão. Outro homem tinha saído de casa pra comprar um Mineirinho pro jantar e não tinha voltado ainda. O balão é um ser que inspira respeito e admiração no povo dessa cidade. O do Maicon André subiu sem parar e não teve fogos, só a luz das velas iluminando as letras “MA”.


Esse texto apareceu primeiro em mariolimajr.com.

Mário Lima Jr. é escritor.






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