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Teatro gonçalense é aberto com a peça “O cara de pau”, por Mário Lima Jr.


Interior do Teatro/Foto: Divulgação
Interior do Teatro/Foto: Divulgação

Estava escrito “Dezembro de 2016” na primeira placa de metal de inauguração do Teatro Municipal George Savalla Gomes, único teatro público de São Gonçalo. Naquele ano a cidade ainda vivia sob os desvios de recursos dos cofres do povo diretamente para a churrasqueira do prefeito Neilton Mulim, em Maricá. Desde então o que havia no teatro era silêncio e desperdício de R$ 14 milhões aplicados na construção. Finalmente hoje, 14 de agosto de 2020, a população gonçalense representada por menos de quarenta pessoas, a nata da bajulação, pôde assistir a um espetáculo no teatro municipal. A peça estrelada por José Luiz Nanci se chama “O cara de pau” e será montada por um bom tempo em outros aparelhos culturais da cidade, de Santa Isabel a Itaúna, mesmo após o fim do mandato do prefeito.


Como o teatro fica a poucos passos da Prefeitura, Nanci não precisou de transporte oficial. Fechou a porta do gabinete, abriu os dois botões de cima da camisa por causa do calor da tarde e caminhou acompanhado pelo secretário de cultura e pela primeira-dama. O ator principal já estava um pouco atrasado, um desrespeito com os puxa-sacos que o aguardavam para pelo menos um contato com o olhar, mas em São Gonçalo inclusive as coisas boas são assim, nunca saem com perfeição. Na porta do teatro Nanci ainda posou para fotos, mas sem fazer o sinal de “valeu” levantando o polegar da mão direita, como de costume. Parecia que o prefeito estava concentrado no personagem que ia apresentar, na verdade uma evolução de si mesmo e a superação de todas as mentiras contadas até agora.

O estudo das falas e a dedicação ao papel exigiram grande esforço. Afinal, não é nada trivial contar para uma cidade de um milhão de habitantes que seu teatro municipal está sendo inaugurado pela segunda vez sem nunca ter funcionado, sem a presença de artistas e de público, no meio de uma pandemia mortal que não permite aglomerações em ambientes fechados. Só que o prefeito de São Gonçalo não é um ator qualquer. Ele se entregou completamente às representações mais difíceis da sua carreira, foi cinco vezes vereador, duas vezes deputado estadual, quando até recebia salário duplo, de médico e de deputado, tudo pago com dinheiro público. Até que conquistou o topo. O dia 14 de agosto de 2020 premiou Nanci com uma experiência que poucos atores, ou políticos, conseguem viver: abrir um teatro superfaturado fechado há anos deixando ele de portas trancadas.


Antes de iniciar o show, Nanci trocou a placa de metal por outra nova, com o nome dele ao invés do nome de Neilton Mulim. Junto com a primeira-dama, se deixou fotografar inspecionando o palco e as cadeiras vazias. Então no hall de entrada, com o microfone na mão, a mesa de canapés do lado esquerdo, o prefeito não gaguejou. Não passou a mão na testa. Não olhou pro teto. A voz mansa era a mesma, mas foi direito ao ponto.


– Bem, eu quero entregar a chave do teatro ao Carlos Ney, nosso secretário de Turismo e Cultura. A população gonçalense vem merecendo esse teatro há muito tempo, ele leva o nome de um dos maiores artistas brasileiros, o saudoso palhaço Carequinha. Por enquanto ele não vai ser aberto, por causa do coronavírus, mas vai funcionar assim que a situação normalizar. Nossa cidade é cheia de talentos e agora vai ter um lugar com estrutura profissional para apresentar suas “obra”.


Os donos de cargos comissionados aplaudiram, os pré-candidatos a vereador, querendo se aproveitar da obra pública, deram vivas. Tão sorridente nos palcos, Carequinha chorou no céu.

Mário Lima Jr. é escritor.




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