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Um quase cemitério em Tribobó - por Erick Bernardes


Foto: Pixabay
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Assis acabou de cuidar da ferida de uma das patas da cachorra Dora. Importante cuidar do animal. Afinal, ele andava para cima e para baixo com a bichinha, tadinha. Sim, exatamente, um bom andarilho precisa de um cachorro farejador a lhe servir de companhia.


Dora havia levado uma pedrada de algum desconhecido cruel. Se a cadela falasse, decerto o seu dono iria atrás do sujeito que a fez sofrer. Até que em certo momento, quando já terminava de fazer o curativo no animal, escutou uma gritaria de multidão invadindo a pista em Tribobó, isso mesmo, pertinho do Posto Regional de Polícia Técnica, às margens da Avenida Capitão Juvenal Figueiredo. Pessoas berravam e levantavam os braços em sinal de protesto. A cachorra latia descontrolada, assustada. A marcha dos moradores chamava atenção, homens seguravam ao menos uns cinco sacos enormes de plástico preto, como se quisessem jogar lixo fora. Estranho, esquisitíssimo. Impossível resistir à curiosidade. Assis perguntou:


— Que isso, manifestação de coletores de lixo?


De súbito uma senhora gorda, mas gorda mesmo, imensa e com ares de furiosa respondeu:


— Não, moço, isso são defuntos. Corpos já fedendo que estamos tirando de lá.



Absurdo, pensou Assis. Como assim defuntos? Impossível acreditar no que viu, cadáveres espalhados, verdade, que nojo. Mas como explicar? Bem, o caso do protesto aconteceu quatro dias depois que desconhecidos começaram a enterrar corpos na região próxima à avenida, em Tribobó. Inacreditável, tentaram estabelecer um cemitério na vizinhança. Mas não deu, a população rejeitou, o povo jogou os cadáveres no meio da pista, e foi a manifestação mais macabra que se podia assistir. Carros desviavam dos defuntos já fora dos sacos. Exato, os cadáveres expunham suas carnes em começo de putrefação. Ojeriza, mau-cheiro, pessoas apavoradas observavam das janelas dos ônibus. A polícia foi chamada, confusão enorme para todo lado, cassetetes e pedradas à vontade.



No meio do transtorno, houve tiros. Atiraram para o alto. A cachorra continuava latindo, correndo sem saber para onde. A imprensa chegou no intuito de registrar o ocorrido. Que bom, jornalismo é sempre bem-vindo. Os repórteres se mostravam assustados, porém determinados, as câmeras de TV filmavam a cena macabra. Até que, em certo momento, o comandante da polícia deu ordem para que os soldados recuassem — e o pelotão debandou de súbito. Tudo muito rápido. Os bombeiros chegaram instantaneamente e recolheram os corpos espalhados sobre o asfalto. Seria por causa da presença da imprensa a imediata assistência? Não sei, não há como saber, lacuna histórica.


Pois bem, a única coisa boa a se considerar, de acordo com o senhor Assis, é que desistiram de implementar cemitério para os lados de Tribobó. Que bom, graças a Deus, sepultamento às margens da avenida nunca mais se viu.

Erick Bernardes é escritor e professor mestre em Estudos Literários.




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