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Uma fábula da descivilização - por Erick Bernardes


Fonte da foto: Pinterest
Fonte da foto: Pinterest

O leão correu com o filhote de alguém nos braços buscando socorro junto aos curandeiros da floresta. Exato, um leão enorme de juba avermelhada e dorso marrom com ânsia de salvaguardar a vida daquele pequenino. Naturalmente, seu lema sempre foi estar armado com as garras do amor e não com suprimentos bélicos com os quais a própria espécie vinha sendo caçada, já vai lá um bom tempo. Sim, as garras do amor, impossível não reconhecer a nobreza.


O filhote de felino estava desacordado, o bravo leão já demonstrava preocupação. Seus músculos sentiam o peso de carregar o animalzinho pelo longo caminho percorrido. Verdade. Desse jeito mesmo. Respirava ofegante e atento, tudo isso no intuito de seguir o próprio instinto: proteger os animais daquela savana. Decerto a cooperação deveria ser atitude natural numa sociedade minimamente civilizada. Porém não era, definitivamente não.


_ Por favor, é urgente, o filhote está desmaiado! Alguém pode nos ajudar?



Já na porta dos curandeiros locais, a agitação de minutos atrás deu lugar ao medo e à insegurança. Ninguém lhe deu ouvidos. Até os animais mais fortes da espécie se negaram a ajudar. Quer dizer, eles até que escutaram, mas emprestaram os ouvidos apenas para zombar da situação. Deboche, escárnio, ofensas gratuitas dirigidas aos leão que não desistia do seu intento. Mas por que esse tipo de atitude se todos pertenciam à mesma selva, meu Deus? A floresta inteira deveria se comover, contudo, macacos saltavam indiferentes sobre as árvores, hienas farejavam o chão por onde os quadrúpedes de grande porte passavam e gargalhavam do que viam. Abutres observavam esperançosos de ver a vida se esvair. E os lobos? Ah, esses lobos, depois que assumiram o poder e se tornaram os reis da selva, só os da sua matilha eles respeitavam.


No entanto, leão é leão independente da situação. O robusto animal rugiu, mas rugiu muito alto, um quase trovão evidenciando certa mistura de decepção e tristeza. A sorte é que as araras viram e narraram aos papagaios, e eles não vão parar de falar.


***

*Nota do autor: Esse texto é uma homenagem ao ativista Rafael Massoto. Pois diante de tanta adversidade e truculência ao socorrer uma criança desconhecida na porta do Pronto Socorro de São Gonçalo, no dia 12 deste mês de maio, não esqueceu a sua real natureza e espírito guerreiro. "Socorro preciso de ajuda", assim ele gritou na frente do hospital.




 

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Erick Bernardes é escritor e professor mestre em Estudos Literários.



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