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Vila Três e a tradição colorada, por Erick Bernardes


Pensei em narrar esta história como se fosse um conto de fadas no qual a cinderela encantada chamada inspiração se apaixonaria pelo narrador e nasceria daí um lindo texto meloso. Mas não, melhor fazer diferente, isso se assemelharia às fábulas infantis da Europa. Uma crônica não deve ser fruto dos excessos de lirismos, tampouco conter firulas de linguagem capazes de dar vida aos sentimentos e nem criar seres imaginários. Jamais, isso nem existe, narradores não possuem vida própria. Será mesmo? Vem comigo então conhecer a história do Vila Três. Serei o seu condutor, um tipo de guia perambulante por esse bairro vizinho ao irmão mais cansado chamado Alcântara.

O Vila Três é famoso pela proximidade com o centro de Alcântara, por causa dos comércios e também devido a dois personagens conhecidíssimos: um, o Agostinho Carrara da ficção televisiva e, o outro, o nosso jornalista Mario Lima Jr. No caso do personagem sacana Agostinho, de A Grande Família, esse se diz nascido no bairro do Vila Três. Já o segundo, que é real, sobretudo um militante da cultura e política gonçalense, os leitores do Daki o conhecem bem. Sim, considerado o maior cronista deste nosso município, Mario tem sido um incansável na escrita em defesa de São Gonçalo. E, já vai lá um bom tempo, ele escolheu o bairro vizinho ao Alcântara para morar.


Sabe-se que o Vila Três é lugar de empreendedorismo, sempre foi. Barbearias, indústrias de filtro de barro, floriculturas, quitandas, mas, principalmente, por ter abrigado uma das primeiras fábricas de colorau (ou colorífico) do estado do Rio de Janeiro. Exato. Dizem que no passado havia uma certa Rua 3, cujo espaço serviu posteriormente à construção de uma vila de casinhas simples e hoje se chama Rua Gustavo Maia. Estaria o leitor surpreso? Acredito que sim, pois eu também me espantei tão logo o Professor Paulinho me contou sobre um antigo morador e empresário:


— Pois é, caro Erick, o senhor Firmino sabia tudo sobre o Vila Três e já foi o proprietário da fábrica de colorau São Gonçalo.

Incrível como São Gonçalo tem história, duvido que o leitor sabia disso! Bem, mas é assim, narrativas históricas nos surpreendem. Mas voltemos ao assunto. Soube que o próprio Professor Paulo, quando menino, subia no jipe do Senhor Firmino e os dois seguiam rumo à Fazenda em Sambaetiba, onde adquiriam o urucum fresquinho para a produção do colorau. Exatamente, o próprio dono da Fábrica de Condimentos São Gonçalo levava o moleque Paulinho a tiracolo. Fiquei pensando o motivo de terem registrado com nome de Santo a tal indústria de pigmentos em pó? Poderiam chamar de Tamoio a tal fabricadora de colorante rubro. Afinal, eram os nativos habitantes de São Gonçalo também seus grandes utilizadores. Sim, os Tamoios, os nossos habitantes primeiros — e já eram conhecedores dos coloríficos vermelhos.


Sabe-se que a fábrica de condimentos fora desapropriada por causa da antiga usina elétrica cuja extensão dos fios de energia levaria perigo ao lugar. Verdade, necessário reconhecer a indenização feita corretamente pela tal empresa de eletricidade. A fábrica se reergueu noutro lugar, voltando a produzir. No entanto, tenho cá minhas dúvidas, será que aquela desapropriação não desanimou os proprietários? Não seria essa realocação o motivo da decadência fabril? Não sei, reconheço ignorância quanto ao caso. Todavia, credibilidade discursiva ou não, certo é que o Professor Paulo explicou como funcionava a manufatura do colorau. Esfregava-se o urucum no fubá, pulverizavam um tantinho de óleo, no intuito de fixar a tintura encarnada característica do fruto do urucum, para só depois peneirarem tudo numa enorme tina de cobre, quando sairiam direto para embalagem e mercado.

— Maravilha! Mesmo sendo criança, era coisa mais linda de ver aquele pó vermelho adquirir cor bem ali na minha frente.


— Mas e o Vila Três, Paulo, me fala do bairro? Que tem esse nome derivado de uma Rua Três eu já sei, porém, onde situavam as ruas Um e Dois?


— Ué, meu caro Erick, você me procurou pra contação matemática de bairro ou saber história?


Bem, depois do diálogo eu desanimei, não precisava de aula sobre o condimento brasileiro usado pelos índios em terras gonçalenses. Queria saber sobre a origem da localidade, insisti, o meu narrador emburrou. Teimou, riscou o chão com caco de telha e falou três vezes da tal caixa d'água gigantesca mais antiga lá no alto do morro e que dizem erroneamente pertencer ao Vila Três. Afirmou ficar o tal reservatório de água no bairro Boa Vista do Laranjal, “não é mais Vila Três não”, insistiu com autoridade. Lá já é outro lugar.


De resto, o leitor já sabe, ficou a história por isso mesmo. Talvez o Mario Lima Jr. me explique melhor. Mas já foi bom, pelo menos me deu tempo de comer um pastel chinês pra matar a saudade e a saúde. O refresco de maracujá veio gelado. Sabe-se lá de onde vem essa água de preparo! "Malacujá", disse o chinês. Bebi. O que não mata engorda, afinal, me criei pertinho do Vila Três. “Bora” voltar pra casa!

Erick Bernardes é escritor e professor mestre em Estudos Literários.



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