'Professor é que nem mulher: tudo desunido', por Karla Amaral

Escrevo esta coluna para você, professora. No dia a dia ouvimos frases ou comentários que nos incomodam profundamente e às vezes nos marcam. Ouvi recentemente a frase: “Professor é que nem mulher: tudo desunido!” Infelizmente não foi a primeira vez, mas desejo que seja a última. Nesta frase encontramos duas significativas questões que podemos colocar sob análise e convido você professora a me acompanhar neste caminho.
A dificuldade de organização coletiva não é exclusiva da sua categoria. Ela vem se acentuando cada vez mais neste modo de vida neoliberal no qual há um aprofundamento do individualismo e afastamento das pessoas da luta pelas causas populares. Não, professora, isso não é exclusividade da sua categoria!
Professora, o agravamento da falta de confiança social em instituições de representatividade e a postura anti-sindical no nosso País cresceu exponencialmente nos últimos anos. Você deve ter percebido quando outros colegas dizem na sala dos professores ou em espaços virtuais frases como: “O sindicato não faz nada!” ou “Eu não acredito no sindicato!”. Essas são as instituições que representam a sua categoria. E ela é constituída de colegas professoras e professores, assim como você. E um dia pode ser você.

Para além da crise de representatividade que vivemos, existe algo subjetivo que circula nas narrativas das pessoas. Que desunião é essa que tanto pregam contra vocês? Ou que união se pressupõe que exista quando vivemos numa sociedade que não valoriza o seu fazer profissional? Que cobrança é essa sobre sua categoria que não existe quando você precisa enfrentar, por exemplo, uma sala de aula quente, cheia de alunos e sem estrutura? Onde está o questionamento alheio quando você precisa ter duas ou três matrículas ou dobras para alcançar uma renda minimamente adequada?
O segundo ponto sobre a frase que dá título a esta coluna é uma questão de gênero. Me dirijo, neste texto, a professora, assim mesmo no feminino, já que segundo o Censo Escolar 2020 as mulheres correspondem a 88% do corpo docente do ensino fundamental I e 67% do fundamental II. A educação básica no Brasil é feita pelas mulheres. E aproveitando estes índices da grande presença feminina na educação, que tal problematizarmos a rivalidade e falta de união feminina?
Professora, a rivalidade feminina é um mito criado historicamente e reproduzido como algo naturalizado. Dizer que as mulheres são rivais é uma invenção que não tem comprovação alguma. Alimentar um discurso que incentiva a distância e a desconfiança entre as mulheres contribui, dentre outras questões, para o avanço da violência e opressão que vivenciamos. A quem serve a desunião feminina? Com certeza não para as mulheres.
Continuando sobre as frases que nos marcam - agora positivamente - li uma que fez total sentido para este texto: “Eu não sou nada sem todas as mulheres que vieram antes de mim.” E posso acrescentar: “Eu não sou nada sem todas as professoras que me ensinaram e que até hoje me ensinam”.
Professora, o mito da desunião da categoria do magistério e o mito da rivalidade feminina só servem para o interesse de fragilizar a luta diária por melhores condições de trabalho e pela igualdade de gênero. A frase “Professor é que nem mulher: tudo desunido” só serve para o interesse de grupos que se alimentam da desigualdade social e dos recursos públicos e que lutam para manter seus privilégios. Vamos ficar atentas e fortes!

Karla Amaral é psicóloga e escreve para o Daki aos domingos.

