Retificações de nome e gênero em cartórios batem recorde no Brasil, mas burocracia atrapalha
Programa Justiça Itinerante do TJRJ simplifica o processo de requalificação civil através da autodeclaração
Por Cláudio Figueiras
Nesta sexta, 28 junho, comemora-se o Dia Internacional do Orgulho LGBTQIAPN+ que tem como marco - neste mesmo dia, em 1969 - a rebelião de Stonewall Inn, na cidade de Nova Iorque, quando mulheres trans, gays e lésbicas se revoltaram com a violência policial contra os membros da comunidade.
A luta por visibilidade, direitos e respeito à condição de gênero no Brasil não começa em Stonewall, mas ganha impulso depois da enorme repercussão do episódio na então metrópole mais importante do Planeta, e vem se fortalecendo desde a redemocratização do país com a nova Constituição em 1988.
E uma das lutas que mais avançou ao longo dos anos, é a da requalificação ou retificação de nome e gênero de pessoas transgêneros, grupo mais estigmatizado dentro da comunidade LGBTIA+, que tem batido recordes no país desde que foi regulamentada em cartórios em 2018 após resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
De acordo com dados do Portal da Transparência do Registro Civil, base de dados administrada pela Arpen (Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais), foram solicitadas, no ano de 2023, 4.156 retificações de nome e sexo de pessoas transgêneros no Brasil, 31,3% a mais que em 2022, com 3.165 protocolos firmados.
Em 2019, primeiro ano de coleta dos dados nacionais, o número de solicitações chegou a 1.848.
Só nos cinco primeiros meses de 2024, foram realizadas 1.930 retificações de nome e gênero em cartórios, outro recorde em comparação ao mesmo período dos anos anteriores.
Burocracia e preconceito atrapalham
Os avanços após a resolução do CNJ são reconhecidos pelas associações em defesa dos direitos das pessoas trans, mas a exigência de uma série de documentos para a realização da retificação de nome social em cartório desestimula novas solicitações, é o que observa a defensora pública, ex-coordenadora do Núcleo de Defesa dos Direitos Homoafetivos e Diversidade (Nudiversis) da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, Mirela Assad:
"A requalificação civil de pessoas trans, embora haja uma resolução que permita que seja feita em cartório, ainda é um processo muito dificultoso. A resolução exige uma série de certidões que essas pessoas têm que tirar, ir a diversos lugares com custos de transporte que não podem arcar, além de se expor em locais muitas vezes transfóbicos, o que acaba demorando. O que ocorre? As pessoas desistem no meio do caminho do seu processo de requalificação", disse a defensora ao Daki.
O cartório realiza alteração de gênero e nome somente após apresentação de todos os documentos pessoais, comprovante de endereço e certidões dos distribuidores cíveis, criminais estaduais e federais do local de residência dos últimos cinco anos, bem como certidões de execução criminal estadual e federal. O serviço é pago e custa, em média, R$ 130,00.
Embora não haja exigência de laudos médicos ou avaliações psicológicas, o oficial de registro deve realizar uma entrevista com o interessado.
Por causa de todas essas exigências, Mirela defende o modelo pioneiro e gratuito adotado pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), através da Justiça Itinerante, que realiza as requalificações de gênero apenas por autodeclaração, com documentos pessoais e comprovante de residência.
Só nesse modelo, já foram feitas mais de 4 mil requalificações de nome e gênero só no estado do Rio de Janeiro desde 2019, quando a Justiça Itinerante iniciou o serviço.
"Com a Justiça Itinerante isso foi simplificado. As pessoas são requalificadas num único dia. A única coisa que deve ser levada é a documentação pessoal, RG, CPF, comprovante de residência e sua certidão de nascimento ou casamento. A pessoa já sai dali com uma sentença judicial mudando o seu nome e gênero de acordo com a autodeclaração", finalizou Mirela Assad.
A Arpen, através do seu presidente Gustavo Fiscarelli, anunciou que os pedidos de retificação, em breve, serão feitos online.
"Tantas solicitações pela comunidade LGBTQIA+ obrigam os cartórios a agilizar seus mecanismos. Em breve esses pedidos poderão ser feitos online. Em poucos dias, as pessoas terão a oportunidade de realizar o sonho de uma vida", disse Fiscarelli à Folha de São Paulo.
A resolução de 28 de junho de 2018 do CNJ garante a requalificação de nome e gênero apenas a maiores de 18 anos. Entidades civis, porém, já se movimentam para que esse direito seja estendido a crianças e adolescentes trans e reconhecido pela Justiça.
Atualizado em 08/7/2024 às 11h08min.
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