Ser pai em São Gonçalo, por Mário Lima Jr.

Ser pai em São Gonçalo é cruzar com uma boca de fumo e duas barricadas ao levar o filho pra escola todos os dias. De mãos dadas, lado a lado, experimentando dois sentimentos que se misturam: a alegria máxima da paternidade e o abandono da segurança pública do estado do Rio de Janeiro e de uma das cidades mais ingênuas do país. É perceber nos olhos da criança que ela sofre por não entender a origem de tanta violência, que decide como e quando cada gonçalense vai circular no próprio município.
Na volta da escola, os pais olham a mochila dos filhos e têm certeza de que os livros não são bem aproveitados. A educação municipal é frágil, capenga e diversas vezes foi explorada em esquemas de corrupção, prejudicando o futuro de crianças inocentes que praticamente não conversam sobre o que fizeram dentro da escola. Para elas a escola não apresenta absolutamente nada de interessante.
Os pais temem pelo futuro profissional dos filhos e se perguntam onde encontrarão emprego em São Gonçalo. O trabalho dos sonhos, bem remunerado e com razoável plano de carreira, está horas depois dos múltiplos engarrafamentos na RJ-104, entre o Coelho e os prédios altos do Centro da capital do Rio. Ou entre Alcântara e Neves, caso o passageiro circule pelo trânsito enlouquecedor das ruas estreitas onde no passado os bondes dominavam. Ser pai em São Gonçalo é saber que a vida dos seus filhos estará em risco e que eles precisarão se esforçar bastante, bem mais do que deveriam, para contar com o mínimo de qualidade de vida.

Se paternidade não fosse sinônimo de felicidade, os pais gonçalenses acumulariam apenas medo e preocupação. Mas ficar dentro de casa, anos a fio, curtindo a alegria natural de ser pai enquanto os filhos crescem presos no quarto não é a única opção. Obrigadas pela necessidade de viver, em São Gonçalo é possível encontrar outras crianças desafiando a violência e jogando bola ou andando de bicicleta na rua. Qualquer pai que se aproximar com seu filho será bem-vindo e terá alguns momentos de diversão. Pode até esquecer por alguns instantes que São Gonçalo não é mais uma cidade livre. Até ser forçado a correr pra casa por causa do tiroteio que não tem hora nem lugar pra começar.
Diante de tanto perigo, ser pai em São Gonçalo é aproveitar qualquer oportunidade de tomar um guaravita ou comer um açaí na praça e ver a cara engraçada da criança sorrindo lambuzada. Explicando ao filho curioso por que na cidade há tantos jovens em cima de uma moto barulhenta e sem placa correndo como loucos, sem capacete, sem camisa e descalsos, pra lá e pra cá. Depois de um tempo, as crianças não se sujam mais e a experiência de ser pai se transforma em algo mais sério e careta, embora continue sendo maravilhoso. Elas param de perguntar sobre os motoqueiros e sobre as barricadas e admitem que São Gonçalo é um lugar de muitas tristezas, mas que seria bem pior se não contasse com a preocupação e o esforço de cada pai.

Mário Lima Jr. é escritor.

