Trump volta à presidência com poderes quase imperiais; entenda
Agenda do novo presidente propõe tolerância zero com a imigração ilegal, guerra comercial com outros países

Donald Trump começa nesta segunda-feira, 20, ao meio-dia (14h no horário de Brasília) seu segundo mandato como presidente dos Estados Unidos, quatro anos depois de deixar a Casa Branca pela porta dos fundos, quando não participou da cerimônia de posse de Joe Biden, sob acusações de ter apoiado o ataque ao Capitólio, em 6 de janeiro de 2021.
Após a vitória de novembro contra a democrata Kamala Harris, tanto no colégio eleitoral quanto no voto popular, Trump retorna ao poder fortalecido, com o comando das duas casas do Congresso, uma maioria conservadora na Suprema Corte e uma agenda na qual propõe tolerância zero com a imigração ilegal, guerra comercial com outros países e o combate ao que chama do “politicamente correto” em nome da liberdade de expressão.
A ressurreição política do magnata republicano vem acompanhada de duas tendências. A primeira, e mais esperada, é que seu entorno está mais leal e menos propenso a tentar moderar os impulsos de seu ego. A segunda, esta uma novidade em relação ao primeiro mandato, é que a agenda política do presidente está sendo replicada pela América corporativa.
Ainda que as maiorias legislativas sejam pequenas — no Senado, os republicanos terão apenas dois senadores a mais que os democratas e na Câmara, quatro deputados — a força de Trump em seu retorno, segundo analistas, é inegável.
“Ele não tinha nem de longe a mesma legitimidade que tem agora. Esta eleição foi muito mais clara. Ele saiu mais forte e tem pessoas muito mais experientes ao seu redor. Isso significa que as expectativas são maiores”, disse Berverly Gage, historiadora da Universidade de Yale ao Washington Post. “ A questão é se estamos diante de um governo de alta ambição ideológica e política ou de uma gestão marcada por queixas mesquinhas e testes de lealdade.”
Uma coalizão com os ultra-ricos
Com amplo domínio sobre o Partido Republicano, Trump forjou para o segundo mandato uma coalizão com as principais empresas do Vale do Silício. Historicamente ligadas aos democratas, companhias como Meta, Google, Open AI e outras cortejam o republicano, que durante a campanha sedimentou uma aliança com outro magnata: Elon Musk, o dono da Tesla e do X, o antigo Twitter, e com uma fortuna estimada em US$ 434 bilhões.
De certa maneira, o Vale do Silício, em particular, e a América corporativa em geral, vêm tentando replicar a transformação política de Musk, que foi de apoiador e fã de Barack Obama, em 2008, a maior financiador da campanha de Trump. Musk se tornou o líder de uma guerra aberta dos republicanos contra práticas de inclusão a favor de minorias étnicas e sexuais nos EUA — chamadas pejorativamente pelos conservadores americanos de ‘woke’ e cuja tradução mais próxima em português seria ‘lacrador’.
“As novas diretrizes da Meta e o simples alinhamento do Elon Musk ao Trump já mostram que essas plataformas oferecerão um espaço maior para narrativas que favorecem o presidente”, diz Lucas de Souza Martins, historiador da Temple University nos Estados Unidos.
‘Uma energia mais masculina’
Até aqui, o maior impacto dessa aliança entre o Vale do Silício e a Nova Casa Branca foi a decisão do dono da Meta, Mark Zuckerberg, de encerrar o programa de checagem de notícias do Facebook e no Instagram. “As últimas eleições foram um ponto de mudança na direção de priorizar a liberdade de expressão”, resumiu Zuckerberg em um comunicado em vídeo publicado este mês. “Então vamos voltar às nossas raízes e nos concentrar em reduzir erros, simplificar nossas políticas e restaurar a liberdade de expressão em nossas plataformas.”
O fim do programa de checagem por agências jornalísticas não foi a única medida da Meta que indicou uma aproximação com Trump. A empresa também adotou um modelo similar ao do X, de Elon Musk, de notas da comunidade, para moderar seu conteúdo. Zuckerberg também já tinha doado em dezembro US$ 1 milhão para a cerimônia de posse do republicano.
Recentemente, ele também convidou o dono do UFC Dana White, outro aliado do presidente eleito, para assumir uma posição na diretoria da empresa, trocou o cargo do chefe de diversidade da Meta e acabou com os programas de Diversidade, Igualdade e Inclusão (DEI, na sigla em inglês), que priorizavam contratações e benefícios para minorias.
O ato final da “trumpização” de Zuckerberg foi sua entrevista ao podcast do apresentador Joe Rogan, outro nome próximo de Trump durante a campanha, no qual ele criticou a ascensão de empresas “culturalmente castradas”.
Com os cabelos mais longos, uma camiseta preta folgada e uma corrente dourada no pescoço, Zuckerberg disse que empresas nos EUA precisam de uma energia mais masculina. “Um pouco de energia mais masculina é bom, sabe. As empresas tentaram se afastar disso, mas acho que termos uma cultura que celebra a agressão um pouco mais tem seus méritos”, disse.
Doações em série
Zuckerberg não é o único líder do Vale do Silício a se aproximar da agenda trumpista. Ainda na campanha, o fundador da Amazon, Jeff Bezos, impediu o Washington Post, do qual é dono, de endossar a democrata Kamala Harris na eleição. Ele também doou US$ 1 milhão para posse, e assim como Zuckerberg e outros, esteve em Mar-a-lago para um jantar com Trump. A Amazon também fechou um acordo de US$ 40 milhões para produzir um documentário sobre a primeira-dama Melania Trump.
Tim Cook, da Apple, Sundar Pichai, do Google, e Sam Altman, da Open AI, também jantaram recentemente com Trump em Mar-a-Lago. Junto com Musk, Zuckerberg e Bezos, eles devem também prestigiá-lo na posse, além de ter doado dinheiro para a festa. Além dessas cinco empresas, entre os nomes do Vale do Silício que deram dinheiro para a cerimônia, estão ainda Microsoft e Uber, todos com doações de US$ 1 milhão.
No sábado, a maioria dos pesos pesados da tecnologia e a cúpula do trumpismo esteve reunida em uma festa dada em Washington em homenagem ao presidente eleito, promovida por Peter Thiel, fundador do PayPal e apoiador de Trump desde 2016.
Thiel é conhecido tanto pelas festas de arromba que costuma dar quanto pelo seu conservadorismo. Ele doou US$ 15 milhões para a campanha do vice-presidente eleito J.D. Vance ao Senado em 2022, e apoiou outros nomes republicanos hoje lealmente aliados a Trump, como o presidente da Câmara, Mike Johnson.
Financiador do Facebook, o empresário tem uma visão cética a respeito do aquecimento global e é visto como uma espécie de “Rasputin” do Vale do Silício. Assim como Musk, tem raízes na África do Sul do apartheid e costuma dizer que empresas podem gerir países melhor que governos porque seu sistema de decisão depende de uma pessoa só e não da maioria.
Além da influência política, por trás dessa aliança, dizem analistas, estão os interesses das big techs na regulação da inteligência artificial. ” A aliança política entre Trump e as big techs tem a ver com desregulamentação e com não submeter as possibilidades da IA à institucionalidade americana”, explica Leonardo Trevisan, professor de relações internacionais da ESPM, que faz um paralelo com outro momento da história americana.
“Se a gente voltar mais de 100 anos para trás, quando avanço das ferrovias formou os barões do século 19, houve uma regulação estatal que limitou o espírito voraz dos empresários da época. Desta vez, o Vale do Silício conseguiu essa promessa inédita, que é promissora para o empresário e preocupante para a realidade institucional americana”, acrescenta.
Um adeus à diversidade e sustentabilidade?
Outras empresas de fora do Vale do Silício também tem abandonado programas de diversidade. A tendência começou depois de a Suprema Corte americana, de maioria conservadora, derrubar a lei que permitia ação afirmativa nas universidades, ainda em 2023. Empresas não são obrigadas por lei a contratar por regime de cotas, mas, com a decisão, algumas se sentiram sem uma certa pressão política de implementá-las.
Foi o caso, segundo o jornal Financial Times, da Ford e da Harley Davidson. Com a eleição de Trump, essa pressão se tornou praticamente nula e o movimento cresceu. McDonald’s e Walmart, gigantes do setor de varejo e alimento, seguiram a mesma linha.
Em Wall Street, ainda de acordo com o Financial Times, esse movimento ocorreu na área de mudança climática. Com a vitória de Trump, um cético do impacto do aquecimento global no planeta, muitas empresas abandonaram os programas de sustentabilidade.
Amigos até quando?
Em seu pronunciamento de despedida do cargo, o presidente Joe Biden alertou para a ascensão de uma oligarquia de ultra-ricos nos Estados Unidos.
“Hoje, uma oligarquia está tomando forma na América de extrema riqueza, poder e influência que literalmente ameaça toda a nossa democracia, nossos direitos e liberdades básicos, e uma chance justa para todos progredirem”, disse Biden. “Temos de prestar atenção numa perigosa concentração de poder nas mãos de algumas pessoas ultra-ricas. Consequências perigosas se seu abuso de poder não for controlado.”
Os temores de Biden, no entanto, ainda na avaliação de analistas podem não se confirmar em virtude de disputas internas do próprio movimento trumpista.
“Uma questão importante é como a visão das big techs vai se combinar com o movimento populista liderado pelo Trump. A gente viu isso aqui recentemente nos EUA na questão do visto de trabalho para estrangeiros, que foi defendida pelo Musk, com o Steve Bannon a criticando”, explica o cientista político Carlos Gustavo Poggio, professor do Berea College nos Estados Unidos. “Vai haver uma tensão doméstica que vai ser interessante observar. Vamos ver se o Trump e o Musk continuarão amigos em dezembro de 2026.”
Via Agenda do Poder.
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