top of page

“Fica, Alessandro!” Comparando os índices de violência em São Gonçalo




Embarquei no Uber, na porta de casa, em São Gonçalo. Itinerário confirmado, logo eu e o motorista demos início a uma conversa que só seria interrompida com o meu desembarque. Dentre mil assuntos, a certa altura chegamos ao inevitável: violência urbana.

Alessandro, o motorista, desatou a falar. Dizia-se morador da cidade e revelou o plano de se mudar para Iguaba Grande tão logo conquistasse sua aposentadoria. Segundo sua avaliação, São Gonçalo se tornou um lugar perigoso demais.

Parece fazer sentido. Segundo o Atlas da Violência 2017 – estudo produzido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) juntamente com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) – a cidade às margens da Baía de Guanabara ocupa a 14ª posição dentre as mais violentas do estado do Rio de Janeiro, com a marca de 40,9 mortes violentas por grupo de 100 mil habitantes.

Mas vejamos, Araruama e Cabo Frio ocupam respectivamente a 3ª e 4ª posições no mesmo ranking. O município de Iguaba Grande se situa entre as duas cidades da Região dos Lagos onde o número de mortes violentas não é menor que 56,1/100 mil habitantes. Bem, até que se prove o contrário, 56,1 é mais do que 40,9. Não me parece exatamente seguro se mudar pra esses arredores…

São Gonçalo é tão violenta assim?

Segundo o relatório “Os jovens do Brasil” (2014), que integra a série de estudos “Mapa da violência”, da Faculdade Latino-americana de Ciências Sociais, de 2002 a 2012 o estado do Rio de janeiro respondeu por quase 69 mil homicídios dos quais a capital contribuiu com nada menos que 38% da cifra, isto é, mais de 26 mil mortes, números de guerra. Não bastasse isso, a cidade do Rio se apresenta recorrentemente como cenário de chacinas de enorme repercussão, reafirmando sua história de violência estrutural. A depender do ponto de vista, a ‘cidade maravilhosa’ pode ser facilmente convertida em Hell de Janeiro. E aviso aos navegantes: cor da pele, endereço e saldo bancário são aspectos determinantes de qual dessas duas cidades será servida aos moradores e visitantes.

Vizinha da capital, o 1° IDHM do estado e o 7° do país não impedem Niterói de patinar na marca de 35,6 homicídios para cada 100 mil habitantes. De acordo com a metodologia do Atlas, é a 17ª cidade a ilustrar o ranqueamento fluminense. Em comparação com São Gonçalo, a renda da população economicamente ativa na terra de Araribóia é superior em mais de 50%, revelam dados do IBGE.

Não obstante, foi necessário que o índice geral de crimes de São Gonçalo crescesse 106%, entre 2003 e 2016, para que viesse a superar – por diferença mínima – a cifra niteroiense: 4.626 versus 4.592 registros de ocorrência por fração de 100 mil habitantes, respectivamente, atribuídos ao último ano de referência, conforme apuração do Instituto de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro. Fonte de tais resultados, Niterói era o destino da corrida de Uber à qual déramos início em São Gonçalo, mas o Alessandro não tem medo de transitar pela ‘cidade sorriso’. Porque será?

Com exceção de São Gonçalo, todas as cidades citadas têm em comum o fato de serem turisticamente ativas. São ofertadas ao público consumidor como territórios legítimos, dignos de se ‘aproveitar a vida’. Isso acaba colaborando, em alguma medida, para que São Gonçalo seja assimilado como território periférico suburbanizado, inclusive pela população local. Uma ‘zona lost’, deserto de expectativas.

Só faltou combinar isso com os institutos de pesquisa em segurança pública. Afinal, as estatísticas sobre violência urbana no estado não confirmam as fraudes projetadas nos gabinetes de marketing turístico.

Fica, Alessandro!

Gostou? Curta a página Daki no facebook aqui e fique bem informado.


POLÍTICA

KOTIDIANO

CULTURA

TENDÊNCIAS
& DEBATES

telegram cor.png
bottom of page