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O contrário do amor é o amor

Por Paulinho Freitas


SÃO GONÇALO DE AFETOS


Foto: macrovector/Freepik
Foto: macrovector/Freepik



Mudou-se para minha rua uma família de crentes. Era um casal com quatro filhos homens, o mais velho era o Abraão. O pai, um sisudo pastor que chamava todo mundo de pecador e passava pela rua gritando salmos bíblicos, pregando a palavra de Deus e maldizendo a crença alheia. Para ele, tudo o que não fosse do jeito dele era coisa do “inimigo”.


Na rua de cima morava uma família espírita, não lembro a denominação, sei que o pai andava com um chapelão de boiadeiro, sempre de branco e com algumas peças de ouro no sorriso.  A mãe, com umas roupas coloridas, trazia sempre uma rosa presa ao cabelo, unhas enormes pintadas de vermelho, da cor do batom que trazia nos lábios. De quando em vez as famílias se cruzavam, uma família indo para o culto e a outra para a sessão espírita. Ao passarem uma pela outro era uma gritando: Sai de retro! E a outra respondendo: Axé! 



O tempo, cumprindo sua obrigação, foi passando. As crianças, cumprindo a ordem natural da vida, foram crescendo, cada uma com uma personalidade, com vontade própria, com destinos diferentes. Na família evangélica, Abraão, cristão fervoroso, de fé inabalável, estudioso da bíblia e competente compreendedor das dores do mundo, o orgulho do pai, o sucessor, o que tinha o dom da palavra e convertia qualquer pecador. Salvava implacavelmente toda alma perdida e nenhuma passava despercebida por seus sensíveis olhos.


Na família espírita, Damião, o filho do meio, era alegria, vida, sorriso e simpatia, queria bem a todo mundo, era a caridade em pessoa, acolhia a todos que precisasse de uma palavra, um pedaço de pão, uma muda de roupa, um abraço que seja. Nas sessões do centro, quando Damião incorporava uma entidade infantil, esta só chorava e quando ofereciam brinquedos, balas e refrigerantes, sua entidade mandava entregar para as crianças presentes para que tivessem muita saúde e energia. Sua entidade infantil não brincava, não sorria, só chorava, era o contrário do “aparelho”.



O interessante dessa história, é que cada filho, de cada família seguiu seu rumo sem olhar para trás, só restaram na família evangélica, Abraão e na família espírita, Damião. Os outros formaram, casaram e foram viver suas vidas. Quando o pai de Abraão morreu, este tomou seu lugar no trabalho de evangelização e salvação de almas perdidas. Do mesmo modo, Damião tornou-se o chefe do terreiro, onde a caridade e o bem fazer são o lema daquela instituição de fé.


Prometo voltar a esmiuçar e a contar mais sobre estes dois. Tenho que lembrar mais do que vi e ouvi contar. Só sei que no sábado passado, em visita a meu irmão, vi Damião e Abraão passando um pelo outro e Damião cumprimentou Abraão assim: A paz do Senhor” e Abraão respondeu: Axé! 


Deu até uma paz aqui dentro do meu peito. Vai que isso pega! Oh glória!


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Paulinho Freitas é sambista, compositor e escritor.


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