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Roda cultural deu vida à praça Chico Mendes, por Mário Lima Jr.



Era uma vez uma prefeita desequilibrada que pensou que podia acabar com a praça Chico Mendes e a cultura jovem do município de São Gonçalo. A praça permaneceu completamente destruída por um bom tempo, a juventude se espalhou por outros cantos, mas Aparecida Panisset se enganou. A praça Chico Mendes está viva e hoje é um dos principais pontos gonçalenses de manifestação artística e interação social.

Estive em uma das edições de janeiro da Roda Cultural do Alcântara (RCA). Ela acontece todo sábado, a partir das 19h, na enorme praça Chico Mendes, que começa na esquina da rua Joaquim Laranjeiras com a rua Tiago Cardoso, em Alcântara, e termina na Estrada Raul Veiga, no bairro de mesmo nome. Boa parte da praça ainda precisa de reformas depois da inacreditável e revoltante destruição das quadras poliesportivas e pistas de skate promovida por Panisset, mas alguns equipamentos foram recuperados.

A noite estava quente, como tem sido nesse verão. Meu primeiro choque foi a mesa cheia de livros gratuitos. São Gonçalo tem um milhão de habitantes e apenas duas livrarias. Não há livros nas ruas e praças, não vemos literatura circular. Peguei emprestado “Vidas secas”, de Graciliano Ramos, que queria ler há um tempão. Não sei de onde veio, quem doou, só sei que peguei, de graça, graças a um movimento organizado e mantido exclusivamente por jovens, sem nenhum apoio do poder público. Isso dá orgulho.

Tinha uma garota fazendo acrobacias com um bambolê na grama. Ela pulava e virava cambalhotas enquanto passava o bambolê pelas pernas, pelos braços, pelo pescoço e pelo corpo inteiro sem deixar o objeto cair. Fiquei cinco minutos de pé, meio hipnotizado, e resolvi sentar pra puxar assunto com a garotada presente.

Foi quando conheci Paulo e Rafael, dois adolescentes do Jardim Catarina que costumam caminhar alguns quilômetros até Alcântara para aproveitar o evento. Apesar de morarem no mesmo bairro, gostarem de compor rap e terem histórias de vida bastante parecidas, eles não se conheciam.

Isso me mostrou o que é um movimento cultural. Pais trazem os filhos pequenos, de colo. As pessoas que vão à RCA frequentam, na verdade, umas às outras, conversam, riem, grande é a ligação entre elas. Os hábitos, as preferências musicais, as angústias da vida e a essência da cultura gonçalense fluem naturalmente de uma pessoa para outra.

Ao mesmo tempo, de um lado os jovens praticam esporte, andam de skate, treinam parkour. Do outro, aprendem técnicas de grafite, compõem letras e ensaiam rimas para as batalhas de rap que acontecem no local. Tudo no mesmo cenário, com as caixas de som tocando música sem parar. É São Gonçalo, mas não aquela que estamos acostumados a ver no caos do centro urbano.

A Roda Cultural do Alcântara ainda é dona de uma maturidade política incrível. Os participantes cuidam da limpeza e organização do local como se fosse a casa deles. Conhecem bem seus direitos e se mobilizam frequentemente para exigir a recuperação da parte abandonada da praça, ainda cheia de entulho e lixo.

Saí depois de mais de três horas, a garota ainda fazia acrobacias com o bambolê, sem demonstrar cansaço. Mas a RCA não sai de mim. Semanas depois estive em outro evento cultural, o Diário da Poesia, no centro da cidade, e para minha surpresa uma representante da Roda estava lá, divulgando o movimento e apresentando seu trabalho. A Roda Cultural do Alcântara se transformou em algo muito maior do que um evento semanal. Ela não para de girar, se espalhando pela cidade. Não gosto de previsões, mas sinto que a São Gonçalo do futuro vai pertencer cada vez mais aos garotos e garotas que trouxeram vida de volta para a praça Chico Mendes.


Mário Lima Jr. é escritor.

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