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Nacionalista de carteirinha, por Fábio Rodrigo



Era um senhor de pouco mais de 60 anos, desses que se dizem patriotas e que atacam qualquer influência estrangeira na nossa cultura. É defensor ferrenho dos símbolos nacionais. Faz o tipo nacionalista de carteirinha. Para ele, na nossa língua, por exemplo, não pode haver estrangeirismos de forma alguma. “Devemos abominá-los completamente”, diz ele.

Na farmácia do bairro, encrencou com o dono ao ver diversas marcas de shampoo nas prateleiras:

‒ É XAMPU! Será possível que ninguém sabe escrever corretamente o nome deste produto?! É por isso que eu não compro nada disso!!! – disse indignado.

Quando chegou a uma loja de roupas, perguntou:

‒ Aqui tem calça de elastano?

‒ o senhor quer dizer de lycra? – perguntou a vendedora um pouco indecisa.

De forma bem ríspida, retrucou:

‒ Que lycra o quê, ora bolas!!! Eu disse ELASTANO. E-LAS-TA-NO!!!

Sua mania de aporrinhar os outros não para por aí. Num outro dia, reclamou com a dona de uma lanchonete por ter posto o seguinte anúncio: Temos brigadeiro gourmet. E disse a ela: “Se fosse brigadeiro ARTESANAL, eu compraria. Com esse nome aí, não compro de jeito nenhum”. Virou às costas e foi embora.

Por conta de sua fama de ranzinza, raramente é visto com alguém tomando uma cervejinha na mesa de bar. Conversar sobre futebol com ele, nem pensar. É só tocar no assunto que ele corrige categoricamente: “É LUDOPÉDIO”. Quando ousam puxar conversa com ele, faz questão de dizer os anos trabalhados na Petrobrás. Diz com orgulho que nunca trabalhou em outro lugar. Foram anos dedicados exclusivamente a esta empresa genuinamente brasileira, criada no governo de Getúlio Vargas.

Nosso personagem sem dúvida foge aos padrões normais. Seu jeito excêntrico o faz uma pessoa bastante malquista. Muitos no bairro fazem comentários aviltantes sobre ele. “Quem é que aguenta um cara desse?”, dizem os vizinhos. “Ele tá precisando é de uma companheira”, dizem os mais próximos. Mas muitos não sabem que ele está apaixonado. Anda se enrabichando por uma jovem senhora que mora há pouco tempo no mesmo condomínio que ele. Ela é professora: dá aulas de língua e cultura Tupi-Guarani.


Fábio Rodrigo Gomes da Costa é professor e mestre em Estudos Linguísticos.


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