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Covid-19 e seu impacto nas favelas, por Lourdes Brazil


Foto: Rio On Watch - Divulgação
Foto: Rio On Watch - Divulgação

Desde que em 31 de dezembro de 2019 a Organização Mundial da Saúde (OMS) foi alertada, pelas autoridades chinesas, sobre a ocorrência de uma série de casos de pneumonia, de origem desconhecida, que o assunto passou a ser debatido em quase todo o mundo, cercado por muitas indagações em relação à identificação, origem, formas de transmissão, tempo de sobrevivência fora do corpo, período de incubação,tempo de transmissibilidade e propagação, mas principalmente perguntas sobre quais seriam as estratégias para impedir o contágio e as formas de tratamento. O debate se acirrou depois da declaração em 11 de março, de que se tratava de uma pandemia.


A partir de então foram incorporadas questões referentes aos impactos em nível local e global e os desafios a serem enfrentados. Pensar nos impactos se reveste de importância, na medida em que permite a elaboração de estratégias de enfrentamento e superação. Quero destacar os impactos que decorrem da localização dos indivíduos no espaço urbano.


O modelo de urbanização capitalista tem como uma de suas características a segregação espacial e exclusão social. Promove uma concentração de serviços e equipamentos urbanos em determinados espaços e ausência em muitos outros. Os primeiros, são consideradas áreas “de mercado”, sendo regulados por um vasto sistema de normas, leis e contratos, que tem quase sempre como condição de entrada a propriedade escriturada e registrada. Já os segundos espaços são aqueles que a legislação urbanística ou ambiental vetou para a construção ou não disponibilizou para o mercado formal, que podem ser as favelas,os espaços precários das periferias, os loteamentos clandestinos. As principais características desses locais podem ser resumidas em:


Exclusão do marco regulatório e dos sistemas financeiros formais;


Produção realizada pelos próprios moradores;


Localização nas periferias centrais – favelas;


Localização nas periferias territoriais, e


Localização em terrenos frágeis ou áreas não passíveis de urbanização, como as encostas íngremes e as várzeas inundáveis, além das vastas franjas de expansão periférica sobre as zonas rurais.


Essas características submetem seus moradores a uma situação de vulnerabilidade mesmo em tempos “normais”, e que em tempos de pandemia, se torna mais profunda. Além da situação precária em termos da presença de serviços e equipamentos urbanos, isso ocorre em função de alguns aspectos, tais como:


Um percentual significativo dos moradores está fora do mercado de trabalho formal ou estão inseridos de forma precária. Seus ganhos resultam da prestação de serviços em residências ou espaços públicos, sem proteção social;


Em muitos desses espaços há atividades de empreendedorismo, sobretudo na área de alimentação e estética, responsáveis pela geração de empregos, mesmo sendo informais;


Muitas das famílias locais são chefiadas por mulheres com filhos menores;


Muitos apresentam comorbidades em decorrência das precárias condições de vida;


Muitos dos moradores estão comprometidos com iniciativas de melhorias locais relacionados à oferta de serviços de saneamento, saúde, educação;


Algumas pessoas fazem parte de redes solidariedade, integrada por moradores mais antigos;


Forte dependência da oferta de projetos sociais no campo da educação e formação, importantes para desenvolvimento do capital humano, e


Um número significativo de jovens almeja superar o ciclo de pobreza através da educação.


A conjugação dessas características faz com que os impactos nesses espaços afetem um percentual significativo de pessoas no curto, médio e longo prazos. Considero que o maior impacto seja sobre o processo de formação do capital humano, que não só dificultará o processo de superação da pobreza, como também pode promover o aprofundamento e expansão da mesma.


Tal situação coloca a necessidade de uma responsabilidade coletiva e individual, que pressupõe a elaboração de políticas públicas e ações de instituições como as universidades e adoção de novos valores e atitudes pelos indivíduos.


Os governos precisam elaborar políticas de renda mínima. Também devem destinar, pelo menos, 6% do PIB para serviços de saúde, de modo a promover uma infraestrutura que garanta a superação das comorbidades. Uma outra responsabilidade é com a realização de investimentos que gerem empregos, sobretudo para os jovens e mulheres e ampliem o acesso à educação pública, gratuita e de qualidade.


Em relação às universidades, considero que elas devam se aproximar da sociedade, disponibilizando seus saberes sobre os problemas que incidem sobre a população.


E em relação à responsabilidade individual, é preciso que todos e todas compreendam a necessidade do estabelecimento de uma nova relação, baseada no cuidado e respeito, entre os seres humanos e os demais integrantes do planeta, nossos “companheiros de aventura terrenal” como o teólogo Leonardo Boff os denominam.

Lourdes Brazil é Diretora do Centro de Educação Ambiental Gênesis, Mestre Doutora em Ecologia Social (UFRJ), Especialista em Planejamento Ambiental (UFF), Especialista em Metodologia do Ensino Superior (UFF), Bacharel em Ciências Econômicas (UFF).




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